sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O protesto da cigana

Um sujeito espirituoso, Mané de Afro, ao chegar, certa manhã em dias idos, na farmácia do Sr. Severino Chóle no Município de Ouro Branco-RN, encontrou um movimento maior do o que o de costume, devido a presença de uma cigana que estava lendo as mãos (a sorte) de algumas pessoas presentes; e mais, fechando o corpo de algumas contra a inveja, mal olhado, quebranto, etc. Nisto, aproxima-se dele a insinuante cigana e pergunta: " o ganjão num qué saber do futuro, não? E fechar seu côipo? eu também faço! "
-Ah bom! , e a sinhora fecha côipo, é? Apôi,eu queria que a sinhora fechasse o meu... - comentou, com sarcasmo, o gaiato do Mané. Mané tinha como característica uma facilidade enorme para soltar peido. Bastava querer... A cigana carregou Mané para detrás de uma porta para melhor ludibriá-lo, e começou em bom romani com aquela algaravia medonha: o ganjão vai ser muito feliz...,vai fazer uma grande viagem...,vai aparecer um grande amor na sua vida ... E por fim, fez uns sinais místicos no corpo de Mané, pela frente e por trás.
Quando a cigana já estava com a mão estirada para receber a sua paga, Mané perguntou: - Qué dizer queu tô cum côipo fechado? É garantido?
-É garantido!... Nada, nem entra nem sai do côipo do ganjão. Foi aí que Mané soltou um sonoro e caprichado peido, fazendo o seguinte comentário: - Êpa!... Parece que num tá muito garantido, não! A sinhora tá vendo qui tem pelo menos um lugar qui ta vazano, né?
A cigana de pele encarquilhada pelos rigores do sol, demonstrando no seu ar de desleixo a experiência adquirida de mil vidas, sentiu-se ultrajada por cair no grotesco trote; tremeu de raiva, deu uma grande “popa”, e cobriu Mané de desaforo e pragas - as mais medonhas que ela pode imaginar-, e retirou-se muito ofendida do ambiente de galhofas que tornou-se, momentaneamente, a farmácia do Sr. Severino Chóle. Bem meus caros, por hoje é só. Abraços e inté mais vê!-----
Do amigo Gibson Azevedo

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Martelo marcado - destroço difícil

Foi do acaso ou por culpa da má sina,
Ou talvez os caprichos de um mau fado,
Que Giovani, foi colher o resultado,
Num porre aloprado no bar da esquina.
O tal “causo” ocorreu lá na cantina
- Num lugar de bebidas e alterações,
De muita roedeira e vis ilusões -;
No tal botequim do BarroVermelho,
“Borrachos", pinguços, que até tem "Conselho"
Com brigas, disputas e até eleições...

Cheirou, degustou, toda àquela bebida.
Que foi destilada, em algum brejo imundo,
Bebeu, emborcou, engoliu num segundo,
Sem nada comer, a cachaça servida.
Topou sem querer nos percalços da vida,
Sentiu uma vertigem quando foi mijar ...
Com a vista rodando e a barriga a roncar...,
Agachou-se no chão, despencou por inteiro...
Tirou uma madorna, dormiu no banheiro,
Roncando e babando, até se engasgar.


Na noite, já tarde, o boteco fechou,
De sono ferrado na poça de urina,
No forte fedor, que o "migué" determina,
Assustado, suado, Giovani acordou.
Revirou à lembrança, mas ela empacou:
Pois nada se via, do escuro onde estava,
- "Credo cruz!"-, do Capeta lembrava.
- "Será qu'eu morri?"-, agarrou-se a pensar...
- "Ô sina medonha, alguém me enterrar!"
-Borrado de medo, a língua enrolava...

Naquela conduta, criou um berreiro!
Abriu latomia, com muito alarido,
Zoada daquelas, jamais tinha havido,
Chorava e urrava, de lá do banheiro.
E meio ao vexame, apalpou por inteiro,
Olhou o dinheiro, se tinham levado...,
Com muita zonzeira, olhou apressado,
Com muito cuidado, um "pertence" de Ouro...
Mexeu com o dedo no anel de couro,
Pra ver se, sem ordem, o haviam usado!

Saiu do banheiro, com tudo apagado,
Tombando, sonado, topando com tudo:
Em copos, garrafas, em porta-canudo;
A cada passada, mais "terém" quebrado,
Que no inventário foi tudo anotado:
Montila, conhaque, cachaça e cinzanos.
Biscoito, banana, rapa-coco e abanos,
Iogurte, cocada, tanjal, espumante,
Sukita, grapette, fratelle e frizante,
E vários whisks, de até doze anos!!

Naquela bagunça, no caos instalado,
De tanto "me acuda!", alguém acudiu:
"É bebo?" "Não!, é a puta. que o pariu!"
-Responde, o fuleiro, já muito irritado.
“Pegando o beco”, sumiu apressado...
Em casa, proseia: coisa e loisa, dar fé;
Contando à estória pra sua mulher,
Que ouvia, de garra, com uma mão de pilão:
"Ah! Sô Jovane !!! eu num sou besta, não!"
"Cê tava, na Zona, no mêi da ralé!!!

Natal-RN, 27/Janeiro/2005
Gibson Azevedo da Costa - poeta

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Continuação forçada.


Continuação forçada a título de esclarecimento:
Devo esclarecer que, ao concluir o texto "conto / crônica" sob o título de "motivos de discórdias", mostrei uma cópia ao amigo Marivaldo Ernesto, pois havia sido ele que me contara a citada estória em todos os seus meandros, minudências e sutilezas. Notei-lhe, uma acalorada alegria ao lê-lo. Vi, de relance, um realce instantâneo das cores da sua face, pois, sendo de tez sangüínea, esse sertanejo urbanizado facilmente demonstra suas mais íntimas emoções. Na verdade, nem procurou dissimulá-los; colocou a dita cópia em baixo do braço e esquipou no meio do mundo....
Passado alguns dias recebo dele alguns telefonemas, nos quais insistia na urgência de reunirmo-nos para uma conversa e alguns esclarecimentos, com relação ao referido texto. Encontro marcado, compareci com presteza.
- Amigo, não é nada daquilo que eu havia lhe falado, e, conseqüentemente, que você escreveu! Fui ao Cuité, conversei com algumas pessoas, fiz alguns telefonemas abrangendo parte da região do Curamaíaú, e colhi uma estória um pouco diferente da que lhe relatei. - argumentou-me com segurança.
Segundo o que ele apurou, o causo não se sucedeu em mil novecentos e trinta, e sim, em mil novecentos e quatorze. O indivíduo Zé motorista, na falta de caminhão, transforma-se, num estalar de dedos, em Raimundo, um tropeiro popularmente conhecido como Viramundo. Pois foi esse Viramundo, que desencadeou toda àquela estória de "merda de cachorro", de funestas conseqüências à economia de toda região do Curumataú e circunvizinhanças. Envolveu "mundos e fundos" naquele estropício de aventura. Destrambelhou de vez os antigos alicerces da centenária economia familiar daquelas pequenas almas. Veja o que não faz a ganância! É fato: não só as pessoas simples levaram o tombo daquele trote rasteiro. Todos se envolveram! Comerciantes, Juiz de Direito, Delegado de polícia, Pároco, Médico, Farmacêutico, Parteiras, Professores, Políticos, Panificadores, Pecuaristas, Agricultores, Ferreiros, Fogueteiros, Arrieiros, Bruaqueiros, Almocreves, Prostitutas, Alfaiates, Cabreiros de jogo, Cantadores de viola, etc.; dizem que até Catimbozeiros caíram na cantilena do lucro fácil. Ah?..., Lucro fácil...; conduta até certo ponto reprovável, quando observada levando-se em conta a moral, a ética e a justiça.
Bem, o que posso dizer ao amigo Marivaldo a respeito dessas correções? Do fundo de minh´alma, cuido não haver a menor necessidade de alterar o texto anterior. Pois se, de fato, assim não ocorreu, poderia muito bem ter acontecido; no surrealismo, no ineditismo, no inusitado do pensamento que nos ocorre nas vezes primeiras. Assim sendo, nada mudarei.
Todavia, aproveitarei o ensejo para narrar um "assucedido" que veio encartado naquele calhamaço de informações; anotações cuidadosa e avidamente, colhidas por aquele grande amigo do Cuité, e que mereceram o meu apreço:
No começo do século passado, o lugarejo chamado Cuité pertencia a Comarca de Picuí; já fervilhavam, entretanto endemicamente, desejos separatistas que geraram questiúnculas memoráveis, com desdobramentos e resíduos de rixas que, algumas
poucas, perduram até hoje, passados anos sem conta da sua emancipação política. Havia e há, embora de forma dissimulada, uma animosidade pronta para eclodir ao menor estímulo. Antigamente, era pior. Ah! se era...
Naqueles tempos antigos de crudelíssimas secas, ocorreu a de quinze; dizem que maior não houve. Flagelo abominável trouxe no seu encalço, seguindo-lhe o rastro, um surto de cólera. Esses fenômenos naturais que ocorrem de forma cíclica em nossa região, eram encarados pelos Curas das freguesias de Cuité e Picuí, como sendo castigo Divino, aos homens, pelos pecados cometidos. (Artimanhas de sabidões ou caturrices de ignorantes?) Pois bem, assunto polêmico; uns contra, outros a favor... Estes citados clérigos, tiveram a insana idéia, própria de mentes doentias, na tentativa de acalmar a "ira" Divina, trocar, num malsinado escambo, Nossa Senhora das Mercês, Padroeira de Cuité, por São Sebastião ( o Soldado ), Padroeiro de Picuí. A troca ocorreria nas Onças, povoado a meio caminho; vinte e poucos quilômetros eqüidistantes de cada cidade.
Às cinco da manhã, partiu cada santo para o seu destino; as mulheres puxando pelos seus rosários, e os homens, por cada birosca que passavam, tomavam umas e outras e discutiam: uns a favor e outros contra...
Uma hora da tarde, sol a pino, muita poeira - canícula inclemente -, chegaram às Onças. Cansados, suados e famintos - estropiados. Alguns homens, visivelmente embriagados, ainda discutiam: "uns a favor, outros contra"! Os desatinados párocos, ensandecidos nas suas atitudes para efetivarem àquela troca fula, colocaram um Santo em frente ao outro, meio a uma grande discussão. Do meio da balbúrdia surgiu um beato cheio de cana, devoto de Nossa Senhora das Mercês; sacou da cintura uma lambedeira de doze polegadas, riscou o chão com sua ponta espalhando faísca para todos os lados, posicionou-se no meio dos dois santos com a "santa Luzia" em punho, e gritou irado:
- Eu quero saber quem é o safado que vai ter a coragem de trocar, na minha frente, minha mãezinha, Nossa Senhora das Mercês, por um soldado cor -- e fé-- da pu -- do Picuí.
A bravata do fanático e temerário beato gerou uma tremenda escaramuça; vencida a custo pela maioria dos discordantes, obrigando a cada santo retornar para o altar de origem.
O beato profano, alcoolizado e moído de pancadas, junto a outros, tomou o caminho do hospital.
* * *
Marivaldo, cabra véi!, acho que assim deve ter ocorrido. Tichau !!
Natal-RN, 17 de agosto de 2004. Gibson Azevedo da Costa

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Quase um "Grande Otelo".






O Seridó é uma região onde aparece, ciclicamente, personagens que são dignas de figurarem em obras de alguns satíricos famosos, como: Bocage, Rabelais, Felini, Chaplin, etc. Na primeira metade do século passado, nasceu naquelas bandas, uma figura, que era ao mesmo tempo, surrealista e um afetado romântico. Numa retrospectiva da saga humana, notamos a presença, por vezes amigavelmente acolhidas, de pessoas que possuem a necessidade compulsiva de mentir ou contar vantagens. Começam, sem maiores pretensões, a discorrer sobre o mais banal dos assuntos e em determinado momento, surgem como se fossem pragas de gafanhotos, os mais estapafúrdios "causos”. E aquilo é, como dizem, como moça quando perde a virgindade. Fica sem controle, como num samba do crioulo doido, fica desmedidamente sem controle. “Moça quando perde o cabaço, fica dando mais que chuchu na serra”, vaticinam os moradores mais antigos desta região. Assim também é o mentiroso. A princípio mal fala, mas age como carro que só pega no tranco, depois que pega, vai embora, célere, numa boa performance. O mentiroso só encontra dificuldade de soltar o primeiro causo, porem, o segundo vem com a desenvoltura de quem já conhece o caminho.
Voltando ao assunto, Seu Manoel de Josino nasceu no Seridó na primeira metade do século passado. Moreno claro, de estatura mediana; quase baixo, cabelos de nervosos a enrolado, olhos grandes, escuros e aboticados, bigode bem aparado, lábios grossos, dentuço do queixo fino. Este é, a grosso modo, o aspecto fisionômico deste grande personagem.
Em meado da década de quarenta, do Século vinte, quando o Brasil se envolveu com a Segunda Guerra Mundial, Manoel de Josino serviu na Força Aérea Brasileira, na Base Aérea de Parnamirim. Nesse período manteve contato com os oficiais e praças americanos, Tendo aprendido o oficio de mecânico eletricista, exercendo-o com muita eficiência. Assim como, aprendeu a falar com desenvoltura o idioma dos galegos, ou seja: inglês de beira de cais. Gostava, quando embriagado, de fazer discursos inflamados, com duas características: eram feitos em inglês e o espectador da primeira fila, era obrigado a escutar, o tal discurso, aparelhado com um guarda-chuva se não quisesse ficar todo encharcado de saliva. É bom que se diga, que tais discursos só aconteciam por insistência da canalha de plantão.
Seu Mane de Josino era um bom mecânico, e sua oficina, sempre muito procurada pelos mais diversos proprietários de carro. Sua clientela variava muito com relação ao status social; ia desde os humildes proprietários de antigos carros de praça - táxi - aos automóveis de luxo, de propriedade de ricos empresários. Atendia a todos com a mesma desenvoltura e eficiência, sempre com um bom papo a disposição do cliente. Alem disto, é honesto dizer, tratava-se de um homem muito dedicado a família; sendo bom filho, pai e esposo. Nunca se afastou da sacro-santa missão, de, dentro do possível, prover o seu lar das coisas essenciais, priorizando-as, para atendê-las com segurança. Alem disto, desfrutava de um ciclo de amizade relativamente grande, que contava com pessoas de todo tipo, todavia com as mesmas características: eram, a rigor, pessoas ordeiras, pessoas de bem. Isto no Seridó conta muito.
Num dado momento, estava seu Mane, trabalhando num alternador de um carro, quando chegou um cidadão ausente de Caicó havia algum tempo, cumprimentando-o efusivamente. Papo vai, papo vem, o recém-chegado perguntou: Manoel, como vai a
família? Foi a deixa que ele estava precisando. Parou o serviço que estava fazendo, fez um misto de pose e mesura e respondeu com a voz de taboca rachada: vão muito bem, obrigado. O mais velho, o Rui, é Economista. Hoje trabalha no Senado federal; portanto, como se vê, vai muito bem. O Radir serve as forças armadas, é sargento do Exército Brasileiro, está muito bem, graças a Deus. O Revil é bacharel em direito, também funcionário do Senado Federal e envolvido na política regional; como o amigo vê, os meninos estão muito bem. Todavia seu Mane esqueceu, supõe-se que de propósito, do Didí, seu filho caçula, também conhecido como: Espinhaço de Cobra, devido um defeito físico que o mesmo tinha na coluna vertebral, diminuindo-lhe à estatura. Didí nunca quis estudar; para o trabalho também não tinha a menor vocação. Seu passatempo predileto era freqüentar o cabaré e uma mania, incorrigível, de enfiar o dedo no nariz. Pois bem, quando Seu Mane fez o comentário elogioso aos três primeiros filhos, esquecendo de propósito, de mencionar o último, um "espírito de porco*" que apiruava na oficina, perguntou: Seu Mane, e o Didí? A resposta veio em seguida; de início..., um pouco gaguejada: o Didí... o Didí... o Didí... Bem , o Didí come caraca, porem, isto é defeito de infância ! Risos ruidosos ecoaram na oficina.
Outra boa me foi contada por Arroz; que presenciou Seu Mane contar que reabasteceu, em Parnamirim, o Enola Gay - a fortaleza voadora que transportou e soltou as bombas atômicas sobre as cidades japonesas: Hiroshima e Nagasaki. Sabe-se, a bem da verdade, que tal bombardeiro jamais sobrevoou o Atlântico Sul. Muito embora, segundo ele, Manoel de Josino contou que, segurando na mangueira de combustível conversava com o piloto da aeronave, procurando aconselhá-lo, mostrando intimidade: “olhe Mike, se eu fosse você, não iria. Você não imagina a quantidade de pessoas que vai morrer”. “Como é que vai ficar sua cabeça, rapaz?” Disse mais, que encontrou-se muitos anos depois com aquele militar americano, nas lojas “quatro e quatrocentos”, e, o mesmo tinha confessado extra-oficialmente: “Josino você tinha razão. Até hoje não consigo dormir direito, pensando naquela covardia”.
Eita, Seu Manoel! No surrealismo você era incomparável. Assim sendo, amigos, dei umas poucas pinceladas, no dia a dia e na verve criativa deste mambembe da ilusão. Deus o conserve, se estiver vivo, Deus o tenha, se já se foi.
Natat-RN, out/2000. Gibson Azevedo da Costa

De braços abertos e não era sobre a Guanabara.




No começo dos anos sessenta havia uma efervescência e uma expectativa enorme com relação ao desenvolvimento do nosso país. Alguns lugares, do território nacional, testemunhavam a possibilidade de mudanças na qualidade de vida do cidadão de classe média - classe social bem definida no Brasil daquela época. Até mesmo o proletariado vivia com mais dignidade. Regiões hoje empobrecidas, sem perspectiva alguma, eram, em passado não muito remoto, pujantes, vibrando de esperanças em melhores dias, de uma juventude sadia ciosa nos seus deveres caminhando a passos largos rumo aos seus ideais. A escola pública, servia de modelo para o ensino até dos colégios da iniciativa privada, com um professorado atuante honrando o bom nome da mais digna das profissões; ganhando salários que, se não eram os mais justos , não eram aviltantes como os atuais. Lembro dos concorridos concursos para a bolsa de estudos, que visava habilitar os estudantes carentes a freqüentarem os colégios particulares. Do lado econômico, percebia-se, até nas pequenas cidades, um movimento ativo no comércio, na indústria, por vezes incipiente, mas não menos promissor. Em suma, um animador volume de negócios. É preciso que se diga, que a população rural (campesina) era bem superior a população urbana. Que bom que era assim! Havia com isto, uma maior produção agrícola e um maior número de emprego, fixando o homem ao campo. Foi neste clima, que alguns "espíritos de porcos"*, alegando corrupções, desorganizações da sociedade e um perigo constante da não permanecia do Brasil no rol das nações livres, resolveram dar um malsinado golpe de Estado. Esta foi a maior desgraça que aconteceu com nossa terra, desde o dia do achamento*, feito dos portugueses nos idos de mil e quinhentos. Este assunto jamais se esgotará, e certamente, será melhor comentado em outra oportunidade,
No começo daquela década, havia porem, algumas situações e conceitos que continuavam intactas desde alguns séculos. Estes tabus, principalmente os referentes à honra, eram naquele tempo, impensável transigir. Por exemplo: o homem jovem ou maduro que mexesse* com moça de família, geralmente, pagava com a vida por tal imprudência. Se o homem fosse casado o caso complicava-se ainda mais, pois sendo solteiro e dependendo de uns acertos entre as famílias, o estrago podia ser parcialmente remediado. Arranjava-se um casamento às pressas, obrigando o meliante a reparar, a muque*, o erro cometido. Este desaforo, todavia, jamais seria esquecido pela família da moça e os nubentes para sempre banidos - nunca seriam perdoados. Viveriam juntos, porem renegados pela família - jamais abençoados. Se a moça se perdesse* com homem casado, geralmente terminava na zona*. Algumas eram proibidas de entrarem até nas igrejas. Isto era a verdadeira perdição. Algumas não suportaram a perspectiva de tamanha indiferença.
Lembro-me agora, duma manhã longínqua, de um domingo distante, na primeira metade do primeiro semestre, do ano de mil novecentos e sessenta e três, na cidade de Caicó. O rio Seridó já tinha descido com suas benfazejas águas, que represavam o rio barra nova, mais abaixo, no encontro dos rios, já fora do perímetro urbano. Já se prenunciava o fim do inverno*. Ali nas margens do Seridó voltadas para a cidade, num local próximo ao bairro do acampamento onde havia um amontoado de
palha de arroz*, foi encontrado, meio ao acaso, o corpo de um recém-nascido. Toda a população para lá se deslocou, só assim, acreditou-se que tal desatino pudesse acontecer com animais superiores, principalmente, com o homem. Era verdade, lá estava uma criança de poucos dias de nascida, do sexo masculino, gordinho, olhinhos baços, porem abertos, como se estivesse a observar o céu muito azul, manchado de nuvens brancas, daquela manhã seridoense. O que mais chocava naquela cena, eram seus bracinhos abertos, na mesma clássica posição das pinturas religiosas, que mostravam o menino Jesus na manjedoura, retratando o seu nascimento. Aqueles braços estavam abertos não para abençoar e sim para pedir ajuda, pedir amparo, proteção, etc. Onde estavam os homens de bem, que não o protegeram? Onde estavam as entidades de classes e as religiosas, que não deram proteção e amparo, a esta moça que sucumbiu ao implacável desejo sexual, obedecendo a ordem imperiosa dos hormônios, inerentes aos jovens, num impulso reprodutivo involuntário? Não havia ainda se popularizado a pílula anticoncepcional. O peso da ignorância, de, no mínimo, mil anos, caiu nos frágeis ombros desta pobre moça, ao ponto de, sem escolha, sacrificar sua cria.
A sociedade organizada se manifestou em todos os sentidos depois do fato consumado. Assim que um cão vira lata* de faro* aguçado, remexeu na palha de arroz encontrando o pequeno cadáver, ocorreu como se alguém tivesse mexido num vespeiro. A polícia começou a investigar, de emergência, os possíveis culpados. Investigações, que se mostraram improdutivas, com o passar dos dias, meses e anos, quando não se chegou a nenhuma conclusão. A igreja, através dos seus meios de comunicação, procurou de todas as maneiras, persuadir a população a dedurar* essa pobre coitada, que, pelo seu crime, só era digna de pena. Lembro que alguns dias depois houve uma comemoração no auditório do Colégio Santa Terezinha, alusiva ao dia das mães, quando, num determinado momento, foi facultada à palavra. Deste momento, lembro-me com memória fotográfica; apresentou-se, como era de costumes nestas ocasiões, um prodígio da oratória daquela época: o estudante secundarista do Colégio Diocesano Seridoense - François Silvestre.
François Silvestre, hoje Advogado, é o mesmo que publicou excelente livro de contos - Rio de Sangue - no começo dos anos oitenta. Naquela época, François já impressionava muito com sua maneira desinibida de falar em público, apesar da pouca idade. Talvez contasse com dezesseis anos de idade. Branco, de baixa estatura, um pouco rouco, imberbe e com uma basta cabeleira. Discursava como gente grande. Pois bem, foi-lhe concedida à palavra. François, sempre muito eloqüente, desmanchou-se em elogios, como era natural que fizesse, a todas as mães do mundo independente de cor, raça ou credo e muitas outras alusões apropriadas ao dia das mães, que não me recordo no momento. Foi aí, como todo bom "discursador"*, que apelou para o lado emocional do assunto, abordando a maternidade como coisa santa, como de fato o é. Lamentável, porem, foi quando citou o caso ainda recente, execrando ao máximo àquela mãe desnaturada, que não tinha nem a coragem de confessar o seu crime. No final, aplausos e benção, etc., etc. Penso que aquele adolescente, quase menino, empolgado com sua própria verve, evitou discorrer mais profundamente em assunto tão delicado, preferindo, talvez por inexperiência, seguir os ditames daquela época.
Na minha modesta opinião, aquela desventurada jovem, será julgada todos os dias que restarem em sua triste vida. Será um julgamento sem a ficção dos
Tribunais de justiça. Será um julgamento feito diuturnamente, na intimidade de sua consciência. Quem somos nós para julgá-la? Oh Deus! Por que, depois de tantos anos, veio-me a lembrança um assunto tão triste?
"Quem estiver isento de pecados que atire a primeira pedra!"
Natal - RN/Nov/2000. Gíbson Azevedo da Costa.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Motivo de discórdias




Inúmeras vezes, até os fatos que fogem da rotina, do habitual, caem no esquecimento das imagens poeirentas e opacas, da maioria das memórias puídas como molambos, a desintegrarem-se, nas batidas implacáveis dos tempos. E quando são, no rebuscar das lembranças, citados por alguém que se preocupou em não esquecê-los, são, na maioria das vezes, contestados com veemência. Não por que, quem contesta sabe mais que os outros sobre aquele assunto; e sim, porque determinados fatos e diabruras ocorridos a umas boas dezenas de anos - "tijolos de jubileu"-, tornam-se, na distancia do tempo, algo pouco palpável; misturando-se assim aos mitos e aos trancosos, tão comuns no imaginário dos povos do sertão. É justo que tais histórias sejam esquecidas ou mesmo diminuídas a sua veracidade? Acreditamos que tais condutas, alem de nada somar, nada prova. Assim sendo, é mais saudável que admiremos as reminiscências, algumas jocosas outras tristes, do rico repertório de troças e chistes, que fizeram, e, que fazem parte do dia a dia dos viventes dos sertões nordestino. Uma destas histórias nos foi contada por Marivaldo Ernesto; dizendo que a ouviu de Murilo Limeira, um comerciante honrado, um decano septuagenário, parte integrante de família nobre daquele município. Este, por sua vez, disse que tomou conhecimento do causo, através de Seu Juvino Pereira - Venerável da Maçonaria-, sendo dos mais ilustres homens do lugar; cidadão de uma credibilidade a toda prova; motivo pelo qual, era sempre o escolhido para "segurar as apostas", nas épocas das campanhas políticas acirradas, quando ainda não existiam as pesquisas eleitorais. Seu Juvino jura que o fato aconteceu; e o conta com detalhes. Existe, entretanto, a contestação feita pelo radialista Tuca Almeida - sobrinho do ex-ministro José Américo de Almeida -, que não acredita em nada do que foi relatado, Muito embora, Murilo tenha feito questão de reafirmar a história na sua presença. Como se vê, é discutível o mérito, meio a testemunhas e palpiteiros! Sabe-se que, aconteceu:
Lá para os meados da década de trinta, um humilde motorista de caminhão da cidade de Cuité na Paraíba, transportava agave (sisal) para o porto do Recife. Porem, nestas viagens - que geralmente duravam quinze dias, devido as estradas ruins e mal conservadas, e ao maquinário ronceiro dos caminhões de então -, levava por entre a carga, alguns produtos como: milho, feijão, ovos, queijos, manteiga do sertão, creme, nata, cocada de leite; compotas de frutas da região como: goiaba, mamão, banana, casca de laranja, caju, jaca, etc.; mercadorias que passava "no mole" pela fiscalização estadual dos dois estados. Isto se constituía, numa viração, num extra, que engrossava a renda familiar ao final de cada mês. Apesar disto, vivia insatisfeito com o que ganhava, e procurava, sempre, alguma nova maneira ou algum novo produto, que pudesse alavancá-lo da sua condição de penúria, de relativa indigência.
Certa vez ao chegar ao cais de Santa Rita - Recife velho -, perguntou a um dos Cabeceiros que descarregavam os caminhões: "se ele não sabia da existência de algum produto, que tivesse dando um bom lucro naquele momento".

"Sei!"- respondeu ele - "Merda de cachorro!" "Tem um japonês qui tá
comprano - concluiu, o pegador de volumes.
"Merda de cachorro?" Pra que, esse japonês, quê isso?"- perguntou com surpresa, o pobre e crédulo motorista.
"Sei lá! Tão dizeno quê pá fazer reméido pá duença braba; diz qui cura inté o canço" - respondeu, o informado cabeceiro; também adiantou o preço que o japona estava pagando por um quilograma de esterco canino, como devia empacotar, e tudo o mais...
Meu Deus!- pensou Zé motorista - será quê uma garrafada nova? Tem umas, qui são boa pra curar pereba...; outras, serve pra limpar o sangue; e umas interfere na milhora da impotença – deixano o home birimbano mais...!!! Só pode ser isso..., um reméido novo. Diz qui cura inté o canço!
Voltou Zé motorista, para a sua Cuité, matutando quanto ganharia em cada viagem. Na realidade, ganharia mais do que o fornecedor de agave, mesmo que ele só levasse uns poucos quilos nas primeiras viagens. Urgia, entretanto, uma tomada de posição. E foi o que ele fez, ao chegar ao seu rincão, na Paraíba. Lá chegando, providenciou uns poucos quilos do produto, carregou o caminhão com agave e "picou a mula" para o Recife. Ao chegar ao porto para embarcar a fibra para exportá-la, procurou, sem sucesso, entrar em contato com o cabeceiro. Muito esperto, este, soube da sua chegada; e, ficava se escondendo, nunca sendo encontrado. Aflito, o motorista procurou o gerente e perguntou: "se ele não sabia do japonês que estava comprando merda de cachorro pra fazer remédio". O gerente deu uma gargalhada e disse que: "aquilo era uma brincadeira dos rapazes do embarque".
Mas que decepção! Servir de motivo de risotas, escárnios - infindáveis mangações!
Voltou assim para cuité, aquele humilde profissional do volante, para degustar sua vergonha, curtir a sua tristeza.
Ao chegar a sua terra, notou que a situação era pior do ele podia ter imaginado: havia um verdadeiro alvoroço naquela pequena urbe. Crianças e adultos revezavam-se nas perseguições a cachorros vadios, para flagrarem o momento exato que os citados dispensariam suas fezes. Cachorros que nunca receberam mimo algum em toda sua vida, viam-se, agora, tratados a pão-de-ló; com a finalidade pouco dissimulada de: na medida em que fossem bem alimentados, produziriam, sem dúvida, uma maior quantidade de esterco.
A notícia espalhou-se rapidamente como a queima de um rastilho, por toda
região do Curumataú, no Seridó Paraibano; chegando até às cidades fronteiriças no Seridó potiguar. Eram notícias de prosperidade, prenúncios de riquezas...
Com a chegada do motorista, a cidade já contava com uns seiscentos quilos de merda de cachorro armazenada. Tudo organizado! Lista feita, contabilidade em dia! Sabia-se perfeitamente o peso e o valor de cada quinhão, correspondente a cada pessoa, naquela monumental "ruma de merda". Não eram só as pessoas pobres, os envolvidos naquelas atividades atípicas. O Boticário opinou, representando à saúde daquele arruado, enaltecendo o valor das novas idéias na farmacopéia, visando melhorar a qualidade de vida do homem, principalmente dos mais pobres. Até mesmo a igreja, através do seu pároco, procurava organizar seus fiéis, visando arrecadar o seu dízimo daquela súbita e estranha fonte de recursos. O Juiz de Direito fez valer a sua autoridade: desfazendo questiúnculas, acalmando ciumeiras; orientava o Delegado de polícia para que, preventivamente, fossem evitados os roubos de bosta; com se, de ouro, estivessem tratando. Alem do mais, a certa altura dos acontecimentos, percebeu-se, para decepção dos mais corretos, que no meio daquela montanha de merda já havia uns duzentos quilos de bosta falsificada. Bosta, do tipo que, não passava no crivo dos especialistas mais exigentes.
Foi no entanto, a princípio, um grande clamor, quando se soube que tratava-se de um equívoco, uma brincadeira de mal gosto, uma pilhéria!
A população ficou paralisada como que ouvindo um dobre de finados, ao ver cair por terra seus projetos de crescimento econômico, ao constatar-se, sem delírios, que tudo não passara de um trote, um embuste.
Passado algum tempo, esta desagradável aventura adquiriu ares de comicidade; visto que, o ser humano tem o hábito de rir de si mesmo, e deleitar-se com suas próprias mazelas.
Essa história é conhecida, até hoje, por algumas pessoas idosas da região do Cururnataú. Algumas, afirmam que presenciaram o fato. Outras torcem os lábios com desdém e sentenciam: “Balela! Nunca existiu!!"
Será que não?- perguntamos hoje...
Naíal-RN, 07/abril/2004. Gibson Azevedo da costa

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Alguma semelhança é mera coincidência

Na natureza, encontramos espécimes animal, que, mesmo teimando em não aceitar, temos de admitir que alguns deles são possuidores de carismas e sentimentos quase humanos. Senão, vejamos: No zoológico da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, residia o macaco Tião, que tinha por habito, jogar merda nos políticos desavisados que por lá apareciam. Fez tanto sucesso que chegou a ser eleito prefeito, da cidade dita como maravilhosa. Um bode cheiroso logrou êxito nas eleições municipais, da cidade de Jaboatão dos Guararapes. Outros, não entraram para a política, mas, destacaram-se com brilhantismo noutras atividades, certamente mais agradáveis. Neste mundo maravilhoso, existia Coto*.
Cotó era um jumentinho de pequeno porte, que vivia, com outros seus pares, nas terras da sede do Batalhão de Engenharia e Construção, na cidade de Caicó. Na região do Seridó, ele foi mais famoso de que certos Deputados federais. Cotó destacou-se facilmente, porque apesar de ser um animalzinho de físico pequeno, tinha o órgão reprodutor de tamanho descomunal, desmedidamente avantajado, e um insaciável apetite sexual. Quando cismava de passar a perna numa jumenta no cio, percorria, se preciso fosse, léguas em galope de perseguição, para geralmente, executar a dita cuja, nos lugares mais impróprios, ou seja, em frente ao Posto de Comando.
Fotógrafos profissionais e amadores disputavam as melhores poses, pois, tais fotos, eram muito requisitadas pela soldadesca em dias de recrutamento*. O soldado que não tinha uma foto de Cotó, em ação, não serviu no 3º Batalhão de Engenharia e Construção.
A alimentação de Cotó - sempre de primeiríssima qualidade -, era feita a base de farelo de pão com leite e alface. Esta dieta, segundo dizem, o mantinha sempre aceso com relação à alimária. Libido a mil! É como diz o ditado popular: "era tratado a pão-de-ló".
Habitava àquele micro-cosmo gozando de muito prestígio junto aos oficiais mais graduados. Se fosse humano, diríamos que teria patente de Capitão, ou talvez, de Major. Era comum, quando Cotó passava naqueles famosos trotes, ouvir-se também, o tropel de coturnos em disparada, a movimentarem-se, céleres, indiferentes às divisas que porventura estivessem a lhes enfeitar os ombros. Irmanavam-se todos, na perseguição daqueles momentos engraçados, de extrema naturalidade, que a maioria daqueles homens feitos, saudosos de suas infâncias, assistia, e por instantes, voltavam a ser meninos. Daqueles singelos e telúricos momentos, participava, quase sempre, o Coronel comandante daquela corporação militar.
Certa vez, vinha Cotó no seu afazer diário, correndo empolgadíssimo no encalço de uma fêmea nova, naquele galope sem tréguas, tomaram a direção das oficinas de máquinas pesadas. Por lá chegando, em alta velocidade para asnos e muares, estando a dupla, já muito próxima de uma caçamba, a arisca jumentinha deu o famoso "drible de corpo” *, e com isto, Cotó perdeu o controle de sua carreira, indo ao encontro àquela pesada estrutura metálica, acidentando-se seriamente. Nunca houve naquela corporação do glorioso Exército Brasileiro, um tamanho alvoroço*. Todo mundo foi notificado a seu tempo. O recruta bronco*, dizia: - Cotó teve um sucesso*. Outro, mais sentimental, comentava: - mas que azar, teve o bichinho! Alguns se perguntavam: - será que ele escapa*? Com um ferimento profundo na testa, as chances de Cotó eram poucas.
O pessoal de alta patente, de imediato se pronunciou através do próprio Coronel, que ordenou que o removesse para a enfermaria dos soldados, onde foi feito o atendimento de urgência. Neste momento, o oficial veterinário sentiu-se preterido, demonstrando sua indignação ao Capitão médico, que lhe respondeu em réplica: "- olhe aqui tenente, não admito que você fique entrando na minha enfermaria, a bangu*! Você só se sabe cuidar de porcos. Medicina, é minha responsabilidade!” Ao que se sabe, desta discussão, resultou o tratamento "vip" * dispensado ao animal, onde prescreveram anti-inflamatórios e antibióticos, só aplicáveis em humanos poli-traumatizados. Em resumo, apesar de todos os prognósticos lhes serem desfavoráveis, Cotó lutou uma boa luta e saiu vitorioso. Quando os primeiros sinais de cura ficaram evidentes, com ele manifestando desejo de se alimentar, de repente, apareceu uma turma de soldados, com uma variedade respeitável de dietas para recuperar rapidamente o convalescente. Tais como: frutinha de gogóia*, sabugo de milho verde, capim elefante com farinha de mandioca, castanha de caju com sal e casca de ovo, bagaço do miolo de cana caiana com sementes de tomate, etc., etc., etc. Pra beber, salmoura de carne verde* misturada com ovos crus. A recuperação foi lenta, porem completa. E confirmou-se nas alegres estripulias*, as mesma que ele fazia antes do trágico acidente. Tudo voltou a ser como antes - a alegria reinou na caserna.
Dias destes, cobraram-me notícias de Cotó, e, na verdade, nada pude informar. Será que o levaram para São Gabriel da Cachoeira, quando para lá transferiram o batalhão? Não acredito nesta loucura. Acho que ainda corre solto, nas reminiscências dos conscritos daquela época.
Natal-RN/out./2000.
Gíbson Azevedo da Costa.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Resposta a elogios meio a efemérides

Carta ao amigo Marivaldo Ernesto dos Santos nos idos de 2005.
Caro amigo marivaldo
Desejei-lhe a poucos dias, uma pacífica passagem das festas natalinas e um trascorrer venturoso nos dias do ano em curso; que pudessem gozá-los felizes, você e suas crias, frutos de seus amores comungados com sua "cara-metade", que os anos e dias teimam em testar até hoje, encontrando sempre a mesma resposta.
Eis que, para a minha surpresa, brindaste-nos, ao retribuires os humildes, insignificantes, porem sinceros votos que vos fizemos, com uma linda - talvez perfeita -, trova; para o deleite dos meus olhos, dando prazer ao meu espírito, calmando ainda,deveras, minh'alma. Agradeço-lhe sinceramente! Cometo entretanto a heresia de responder-lhe, na essência, também em forma de trova; que reconhecidamente não é "minha praia". Ouso entrementes fazê-lo:

Para relembrar sua trova:

Amigo "pena de ouro"
Neste Natal de Bondade
Guarde consigo um tesouro
De paz e prosperidade!

Respondendo ao rico mimo, descrevo ao quadrado:

Sendo a fonte da bondade
Olhastes uns escritos meus
Clamou-me prosperidade:
Fosse a vontade de Deus!

Devolvo a sinceridade
Com sinceros votos meus
Duma sincera amizade:
Sinceros, a ti , e aos teus!


Abraços do amigo Gibson.
Natal-RN,16 de Março de 2005


06/10/2208

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

No vazio atual faltam-lhe as bênçãos

No rastro da missiva de 25/09/2005, do Dr. Paulo Balá (agora Acadêmico da nossa Academia de Letras), ao eminente jornalista do Jornal Tribuna do Norte, Woden Madruga, queixando-se da falta de coisas tão comuns no passado, e, enaltecendo os saudosos sentimentos a alguns familiares ascendentes, e amigos destes, que povoaram, indeléveis, momentos de sua infância e de sua idade madura de homem respeitoso e respeitador..., segue uma glosazinha baseada na essência do desabafo saudosista deste grande missivista:"No vazio atual faltam-me as bênçãos..."
Mote:
Pediu "bença" a "todo mundo"...
Dos velhos e das caritós.
Glosa:
Vem meio a "banzo" profundo
Lembranças de dias idos,
E a seus entes queridos,
Pediu "bença" a "todo mundo".
Respeitou com amor profundo
Padrinhos, tios e avós,
Hoje diz, Balá, pra nós:
- Não tendo a quem recorrer...,
Sinto falta do "benzer"
Dos velhos e das caritós!

Natal-RN, 02/Out./2008.
Gibson Azevedo ( Poeta )

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Eram sonhos, seu mundo

Eram sonhos, seu mundo
Manoel Vintém era assim conhecido, numa cidade sertaneja como muitas do nordeste velho de guerra*. Pouca gente conhecia o seu verdadeiro sobrenome, todos porem, conheciam aquela curiosa figura humana. Homem branco de estatura mediana, cabelos lisos e penteados para trás, feições afiladas, denunciavam que na sua gênese, houvera pouca ou nenhuma mestiçagem. Era um forte apesar de ser magro. Tinha as suas esquisitices: muito arredio e taciturno, vivia, a rigor, envolvido com o seu trabalho, que muito o honrava e ao qual se dedicava da Segunda a Sexta feira. Sua profissão é uma das atividades mais antigas da raça humana: a carpintaria. Como sabemos, já na construção da Arca Bíblica, Noé, serviu-se desta humilde arte. A carpintaria também honrou Jesus e seu humilde Pai na antiga Palestina. Para a nossa sorte, a carpintaria chegou aos nossos dias através de pessoas honradas, como no caso do cidadão Manoel Vintém. Como já dissemos, da Segunda a Sexta feira, dedicação exclusiva ao trabalho e a família; mal cumprimentando as pessoas. Entretanto, encerrado o expediente da Sexta, feira feito as contas semanais com o patrão, despedia-se dos colegas de labuta com um curto, "inté "*. Da oficina, local do trabalho, até o centro da cidade, distava uns oitocentos metros; porem aquele pequeno trecho de via pública, curiosamente concentrava um número excessivo de bares, biroscas e assemelhados. O velho Mane gostava de se benzer* em todos eles, de maneira que chegava ao centro da pequena Urbe, de cara cheia, bêbado* até a alma. A cachaça soltava-lhe a língua, alterava- lhe o fácies; em suma, transmudava àquela pessoa. A diferença era tamanha, que, de tão ridículo, tornava-se muito engraçado, hilariante mesmo. Naquelas suas carraspanas, Mane, bebia até cair, geralmente num local movimentado; pois o velho Vintém caia, mas não adormecia, e a cada pessoa que passava, com um olho aberto e outro fechado, e a cabeça meio que levantada, dando a impressão que ia levitar, tentava puxar uma conversa. Homem de pouco estudo, ficava muito falante e de verve pseudo rebuscada. Segundo afirmava sob efeito etílico, era possuidor de uma valentia sem tamanho e num arroubo afetado, costumava dizer: "olhe, eu tenho tanta coragem, que até a merda treme com medo de mim mesmo!".
Nosso homem, é desnecessário dizer, que nestas condições, era a graça da populaça, divertimento gratuito de crianças e de adultos. Para entornar mais o caldo, nestas horas, os mais afoitos inventavam uma estória que não tinha nada de verdade, ou seja, que sua honrada esposa tinha um chamego com um seu compadre e vizinho. Bastava o Mane arrotar*as valentias, que aparecia um não identificável que perguntava: "e o Chico de Aninha?" A gargalhada era geral. Vintém, sem se alterar e também sem se levantar, dizia: "você é um menino moço e eu não quero lhe estragar, porque se não, eu fazia você cagar macarrão numero doze". A gargalhada dobrava a intensidade.
Certa vez, vindo Deus sabe de onde, seu Mane cruzava ao meio a Praça José Augusto, por volta do meio dia de um verão seridoense, quando de repente, surgiu um gato que fugia de um cachorro, como manda a natureza. Naquela época, aquele logradouro era muito desprovido de vegetação. Era quase um descampado. Pois foi aí que aconteceu o impensável; o gato apavorado não vendo como escapar da citada perseguição, subiu de improviso até os ombros de Mane Vintém, zunhando* sua cabeça. Ai veio a parte mais engraçada, seu Mane deu de "garra" do gato com uma das mãos, e com a outra empurrava o cachorro que não passava de um “Vira lata”, e bradou: - ocês tão muito eqüivocado*; daqui a pouco vão querer mijar em mim! Xôô, bicho!
Doutra* feita, a cidade estava às escuras, pois ainda não havia chegado a energia de Paulo Afonso; nosso herói curtia uma Carraspana deitado numa calçada, quando um sujeito focou no seu rosto com uma lanterna. Foi aí que Mane Vintém saiu-se com essa pérola: "Apague essa porra seu fela da puta , qui o delegado daqui tem a mania de levar bebo* pra drumir* na cadeia; e eu num* quero que ele me veja não!". Uma pequena gargalhada do sujeito envolto na penumbra, que lhe disse: “Bora* Mane, entre na Rural que eu vou te deixar em casa". Era o delegado de Polícia.
Na Segunda feira, logo cedo, adentrava à oficina de carpintaria aquela figura calada, taciturna, como se nada de anormal tivesse acontecido. Dizem que já faleceu. É provável que tenha ocorrido, mas, imagens como as que percorremos, ainda não apagaram. Seu Manuel Vintém viverá por muitos anos na memória dos moleques do Seridó de outrora.
Natal - RN, out/2008. Gibson Azevedo da Costa
Observação: O eminente advogado o Dr. Francisco de Assis Medeiros, ex-prefeito de Caicó, popularmente conhecido como Chico Burra Cega, conta em seu livro "1968 em Caicó", lançado nos últimos dias do século vinte pela Editora ServGrafica & Copiadora Natal-RN, descreve uma cena diferente, da que aqui foi descrita, com relação ao episódio do gato e o cachorro com o velho Mane Vintém*. Inclusive, se colocando como testemunha do citado ocorrido. A bem da verdade, ele pode está coberto de razão, porem a versão que celebrizou-se no anedotário popular, foi a que modestamente descrevi. Assim sendo, sem polemizar, forneço o meu testemunho e dou fé!
Natal-RN,Outubro de 2008-10-01
Gibson Azevedo da Costa
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