terça-feira, 24 de novembro de 2009

Emídio, a vítima do jogo.

Emídio, a vítima do jogo.

O resultado de uma constante mistura torna-se imprevisível; e mais improvável ainda, quando ao invés de usarmos elementos químicos isoladamente, misturando-os paulatinamente, usamos a mistura das misturas tendo como elemento básico: pessoas, seres humanos. Tais experiências, foram executadas com requintes de crueldade em pleno século vinte, pelos pesquisadores e médicos da Alemanha nazista, na primeira metade do século vinte. Homens cultos de todo o mundo, arvoraram-se, dizendo-se civilizados; e que o planeta Terra tinha atingido a idade da razão e orgulhosamente vangloriavam-se, insistindo: que um bom argumento seria mais que suficiente para acalmar os loucos e afastar os tiranos. Quanta ingenuidade! Os efeitos da inocência irresponsável destes crédulos tolos foram catastróficos. Alguns criminosos experimentos com seres humanos, no entanto, trouxeram luz para alguns pontos até então obscuros da ciência, principalmente, os da fisiologia humana. Bem, neste momento, isto não nos interessa, só lembrado porque em algumas partes mais remotas do mundo, foram feitas experiências semelhantes, porem de forma natural; Levando em consideração a sobrevivência da espécie, como único e relevante motivo. A maneira tradicionalmente usada para a sobrevivência da espécie humana nos lugares mais remotos e inóspitos era, os acasalamentos entre indivíduos da mesma família; existindo aí, um grau de parentesco muito próximo. Isto ocorria sem a devida observância dos preocupantes laços consangüíneos, e visavam tão somente aumentar a prole, no intuito de ocupar os espaços vazios, tentando melhorar a segurança e robustecer o poder daquela sociedade fundamentada em pequenos clãs. Estes acasalamentos com parentes muito próximos, é a miscigenação às avessas; que trazem a tiracolo indesejáveis mutações genéticas. Resumindo: são fábricas de dementes e abilôlados.
Emídio, mágico dos pobres, nasceu numa destas situações, sendo, portanto, produto destas ligações perigosas. Era muito conhecido na região do Seridó, aparecendo sempre em dias de festas comemorativas ao padroeiro, ou algum outro santo, natal, ano novo, etc. Como sua profissão era a ilusão, criada na rapidez das suas mãos, exibindo uns bons números de trucagem, fazia daquela estranha figura presença quase obrigatória nas festivas quermesses daquelas freguesias. Este cidadão tinha a alcunha de Emídio Muçica, devido aos muitos “tiques nervosos” que exibia ao conversar. Muçica era um sujeito branco, queimado do sol; cabelos - castanho escuro - cortados rente nas laterais da cabeça, estando sempre por pentear. Seus olhos eram escuros, um tanto vesgos e vagos, sempre remelentos; sobrancelhas grossas, guarneciam por baixo, os profundos sulcos expressivos da testa. Tinha um nariz marcante, continuando-se com a boca pelos profundos sulcos naso-labiais. Bigode? Isto ele tinha, e uma barba sempre por fazer. Sua boca exibia um resquício de baba, muito comum nos dementes e nos possessos. Sua voz era produto de uma mistura de rouco e fanho. Daí, a sua necessidade de falar sempre gesticulando muito, que juntando aos tiques nervosos - que não eram poucos - lhes emprestavam expressões fisionômicas enigmáticas, que, na maioria das vezes, parecia que ele estava indagando alguma coisa. Sua comunicação predominante era a mímica; bem mais utilizada que a linguagem falada. Quanto a escrita, não podia utilizá-la, pois era portador do pior tipo de cegueira: o analfabetismo. Vestia paletó que sempre pertencera a outras pessoas, motivo pelo qual não ficava bem ajustado ao seu corpo. O mesmo podia-se dizer com relação as calças e aos sapatos. É costume, diante deste quadro, fazer-se o seguinte comentário: é..., parece que defunto era maior...! O aspecto final deste personagem vestido a caráter, era, em muito, semelhante ao vagabundo de Chaplim ou ao Cantínflas de Mário Moreno.
Como visto, apesar das inúmeras deficiências, Emídio Muçica encantava aos jovens, as crianças e a alguns adultos. O que mais admirávamos, sem que soubéssemos, naquela ambígua pessoa, era, no seu viver, a total e inegociável liberdade. Não tinha laços familiares e não se submetia a horários. Era um sobrevivente. Um bobo, mas um eterno sobrevivente! Esse artista popular fazia aparecer e desaparecer objetos como: ovos, cigarros, acesos ou não. Mudava com um passe de mágica a aparência das coisas, como uma cédula de determinado valor, transformando-a em outra de valor diferente. Truque que, ele geralmente desfazia usando o sentido inverso. Com um baralho fazia peripécias inacreditáveis, geralmente adivinhando qual carta foi a escolhida pelo espectador camarada. Depois de muito exibir-se com esses princípios rudimentares do ilusionismo, puxava do bolso uma folhazinha de ficus - árvore urbana muito comum naqueles municípios - e com ela em contato com os lábios e a língua, soprava, tirando alguns sons agudos parecidos com os de um trompete. E aí vinham algumas lindas músicas internacionais, como: Granada, La violeteira, etc., etc., etc. Deste teatro de rua tirava seu sustento; mantendo assim, seu principal capital: a sua vida. Entretanto, era dominado pelo nocivo vício do jogo. Era viciado no bozó caipira..., e naquela banca com tabela nas beiradas, geralmente deixava todo seu dinheiro duramente arrecadado entre os espectadores, quando passava o chapéu buscando suas pagas. Só entende um jogador, quem assistiu Emídio esquentando um par de dados com o atrito rápido das mãos, depois soprando para dar sorte e lançando-os na banca do caipira. Isto era, para ele, pura adrenalina, não importando se sairia dali completamente depenado.
As últimas vezes que foi visto em ação divertindo os transeuntes, notava-se, naturalmente, que estava decadente não podendo competir com a televisão e os jogos eletrônicos.
A rigor, foi avistado pela última vez na cidade de Ouro Branco, seu rincão no Seridó; cambaleante e maltrapilha, já não falava, babava muito e exalava um forte cheiro de álcool. Suas mãos, outrora ágeis, agora estendidas, lerdas e trêmulas. Que pena!... Mendigavam...

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O Bem-querer.

Dias atrás, o meu velho e querido Pai sofreu um acidente de percurso, que nos sobressaltou em demasia. Andou caindo ao caminhar... Ante àquela súbita preocupação, andei folheando coisas passadas e deparei-me com este poema, que, humilde, compartilho convosco:

(Poema dedicado ao meu Pai, quando
este completava setenta e nove anos.)



O Bem-querer


Tudo graça da onisciência
De Deus, que é Todo Saber,
Fez brotar o Bem-querer
No percurso da existência...
Deu-lhe amor com imanência,
Deixou-lhe, a tempo, um pedido,
O mais belo concebido:
Dar amor com simples gesto,
Num Bem-querer manifesto,
Em todo tempo vivido!...


Natal-RN, 14 de Setembro de 2003.
Gibson Azevedo – poeta.
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