terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O tempo

Neste período natalino procurei, para mostrar-lhes, mais um pequeno fragmento das minhas anotações sobre os impagáveis costumes do meu querido povo, neste abençoado torrão do nordeste brasileiro - berço ancestral dos meus antepassados e mãe amorosa dos meus já cansados anos -; e na exposição que faço deste singelo escrito, aproveito esta oportunidade para desejar a todos vocês um Feliz Natal, no qual a presença suave e pacificante do menino Deus se faça uma constante.

O tempo

...Dizem, que no segundo quartel do século passado, um médico recém-formado, o Dr. "Juvêncio”, resolveu fazer clientela na Rainha da Borborema. Instalou seu consultório com o que havia de mais moderno à época. Apesar do aparato, aquele discípulo de Hipócrates era detentor de pouquíssimas qualidades técnicas, sendo pífias suas habilidades na diagnose. O que não o impediu de tornar-se rico e famoso. Adotou, para isto, uma interessantíssima artimanha...

...Existiam na cidade três salas de cinema. Uma, era o Cine Capitólio, situado na Praça da Bandeira; outra, o Cine Babilônia, na rua Irineu Jofilly; e mais uma, o Cine Avenida que ficava na Getúlio Vargas. Distavam algumas quadras, uma das outras. Todas situadas próximas ao centro de Campina Grande.

Esse médico comparecia, uma ou duas vezes por semana, às sessões mais concorridas do Cíne Capitólio, e outras vezes, na mesma semana, às sessões noturnas do Cine Babilônia. O hábito de ir ao cinema era coisa rotineira naqueles tempos. Tornara-se um ritual diário. O Doutor “Juvêncio" chegava logo cedo em companhia da sua jovem esposa; sentavam-se nas primeiras filas de cadeiras, junto à cortina que cobria a tela. Mania estranha, aquela..., já que assistir filme muito próximo a tela de projeção, sempre foi pouco recomendável, devido à dificuldade da postura e ao excesso da luz refletida; com pouca definição e péssimo contraste de nuances das cores, ou mesmo em preto e branco. Mania que, justificava o ritual que se desenrolava em seguida:

Lá pras tantas, no meio da projeção do filme, acendiam-se subitamente às luzes interrompendo a projeção; ocasião na qual era feito um aviso de utilidade pública, comunicando àquele médico, caso estivesse entre os presentes, à urgência de seu comparecimento a um determinado local para um pronto e eficaz atendimento. Então, o Dr."Juvêncio" levantava-se lentamente, dando o braço à esposa e, efetuando longas, repetidas e empertigadas vênias, ia-se retirando sob os olhares indagadores de surpresos cinéfilos. Fez o seu nome profissional graças a esse teatro e mesuras previamente arquitetados, efetuados nas mais concorridas reuniões sociais.

* * * *
Juscelíno Kubichek de Oliveira, então candidato do PSD à Presidência da República, nos idos de cinqüenta e quatro, em campanha eleitoral por este "Brasil sem porteiras", esteve, em memorável comício, na Rainha da Borborema.

(Habitava na mesma época, por coincidência, no seio da população daquela próspera cidade, um sujeito chamado Luiz - o Luizão do Arroto! Esse indivíduo, destacava-se, ante ao rol das coisas bizarras, pois era portador de um trovão ambulante e particular, executando-o no lugar e no momento que bem entendesse. Esse trovão era o seu arroto! Por conta daquele predicado chulo, tornou-se bastante conhecido em todo o brejo paraibano.

Consta que, ele adorava ir ao cinema (quase sempre no Cine Avenida), quando exibiam filmes de suspense que proporcionavam instantes de expectativa, ou películas românticas onde viam-se com freqüência cenas de beijos prolongados, etc. Era naqueles momentos de silêncio daquelas salas de espetáculos, quando exibiam estes tipos de filmes, que, inesperadamente, ouvia-se um imenso: aaárrárá ...uoórróróróhh...ááráhhk ! Às vezes, essas sessões cinematográficas eram interrompidas, em definitivo, devido aos incontroláveis surtos de gargalhadas que esses arrotos provocavam.)

* * * *
Juscelino era reconhecido como um exímio orador; tribuno empolgante de verve gostosa; combinava com a sua figura elegante de brasileiro sonhador, amante de serenatas e outras manifestações populares. Percorria, por aqueles dias, todo o Nordeste brasileiro em campanha eleitoral à Presidência da Republica; e, neste dia, discursaria, com sua retórica magnífica, dirigindo-se ao bravo povo do brejo paraibano.

Não se sabe se por iniciativa própria ou por "corda" dada pelos adversários -os da UDN -, o fato é que, Luizão, profissional que era naquele tipo de erupção gasosa, aproximou-se pacientemente do palanque; e quando já estava bem próximo ao postulante
ao cargo de Presidente da República, esperou pelas tradicionais pausas feitas para o orador tomar água - pausas muito comuns nos longos discursos das campanhas eleitorais de antigamente. E foi justamente no momento que Juscelino devolvia o copo a um xeleléu próximo e solícito, voltando novamente sua atenção para o publico aproximando-se dos microfones, que se ouviu um enorme, desconcertante e inesperado arroto.

Aquele tribuno ficou pasmo, sem nada entender; ate porque, seqüenciando o dito cujo, ouviu-se ruidosa e interminável gargalhada... A canalha pública se fez ouvir com seu indisfarçável vigor.

Surpreso, o grande orador das Gerais sentiu-se desconsertado no seu improviso, com o raciocínio confuso, as argumentações turvas, a língua travada - todo atrapalhado.

Todos, no brejo paraibano, conheciam o sujeito que atrapalhou o discurso de Juscetino Kubischek; principalmente, os moradores mais antigos daquela região. Entretanto, são coisas do passado; finaram-se, não existem mais...

Natal-RN, 12 de julho de 2009.
Gibson Azevedo da Costa

PS.: Estes são causos que me foram contados pelo atencioso e dileto amigo Carmelo Meíra. Sendo que, alguns nomes foram trocados ou alterados para evitar os possíveis melindres.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O fardo

Dias destes, um grande amigo e querido primo, Janduy Azevedo, me enviou via email algumas quadrinhas, de autor desconhecido, que desnudavam o descontentamento do poeta quanto ao relacionamento dos seres vivos na nossa madre Terra. O motivo do tal email, acredito, foi o de instigar-me a versejar sobre o tema. Alguns amigos têm o mesmo comportamento.
Bem, o teor do citado poema é satírico e também fescenino, quando utiliza uma gíria, muito comum em nosso País, que significa a exploração sistemática de alguns seres por outros. É o protesto e a denúncia destas distorções sociais. Seleciono duas, como exemplo:

Parece que a natureza
Vem a todos nos dizer,
Que vivemos neste Mundo
Somente para foder...
* * *
É uma Terra danada,
Um paraíso perdido
Onde todo mundo fode,
Onde todo mundo é fodido...

Todo poeta gosta de uma cordinha... , eu não me fiz de rogado e mandei uma décima. Ei-la:

O fardo

Atroz (foda) é a própria vida...
É fado de quem está vivo,
Pois, mesmo o moço altivo,
Terá a robustez sumida...
Numa tragédia cumprida,
Contrário a sua vontade.
Eis a grenha da verdade:
Viver é sempre um perder...
Esvai-se, desde o nascer,
A vida, em qualquer idade!

Natal-RN, 20/nov./2009
Gibson Azevedo - poeta
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