quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O trote

Existem pessoas que levam a vida na troça, a fazerem gracejos com os seus semelhantes. Na sua grande maioria são adeptos do adágio: “eu perco um amigo, mas não perco a uma piada”.

Nestes últimos dias de fevereiro, mês que abriga os festejos de momo, lembrei-me dos costumes adotados numa Natal ainda provinciana. Era comum à prefeitura da nossa cidade promover vários bailes carnavalescos, que visavam dar lazer a uma parcela menos favorecida da nossa população. Esses animadíssimos encontros, à revelia da vontade dos nossos humildes munícipes, foram infelizmente erradicados do roteiro cultural da nossa cidade, durante o período do reinado da alegria. Ficaram entretanto algumas lembranças...

Em um dia de carnaval, numa edição do passado, em um desses bailes populares no Palácio dos Esportes Djalma Maranhão, Natal-RN, o jovem oficial da polícia militar do Rio Grande do Norte, Antenir de Oliveira Neves, foi desacatado por um homem travestido de mulher, que sem respeitar a farda que o mesmo usava ao comandar a patrulha que fazia a segurança pública do citado evento, fazia-lhe gestos de obscena languidez... Vejamos o que sucedeu:


O trote


Era jovem, aquele pulha,
Da polícia, oficial...
Num dia de carnaval,
Era o chefe da patrulha.
E naquele entrudo fula,
De mil marmota e veado,
Tava posudo e fardado,
Quando surgiu da fuzarca,
A lhe dar beijos, “rabiçaca”...,
Um fresco velho tarado!


Qual não foi sua revolta,
Querer ralhar o Florzinha:
Uma coça..., botar na linha,
Com ajuda da escolta...
Gritou alto, disse: solta!...
Esse fuleiro é amigo!
Não oferece perigo...
É Dedé Flor, Rei do trote,
Só merece um cocorote,
Pra não brincar mais comigo!


Natal-RN /out/2003.
Gibson Azevedo (poeta)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Lembranças de Juju II (o bamba do entrudo)

Nestes dias de carnaval que antecedem à quaresma, brindo aos caríssimos leitores com mais um mimo das minhas reminiscências. Aqui vai, parte do texto "Lembranças de Juju II":


...Depois destas visões rapidamente intercaladas, de momentos, hoje fugazes, dos anos sessenta, fecha-se o parêntese!...
...Assim vivíamos naqueles anos, com restos de tradições, algumas herdadas, quase na sua totalidade, dos nossos ancestrais ibéricos...
* * *
O nome Jujú, figura daqueles tempos, traz-nos, inapelavelmente, o registro de um cidadão que atendia por este nome; sendo no palmilhar dos seus dias, participante ativo dos movimentos e tradições populares da cidade de Caicó, destacado centro urbano dos sertões Nordestino. Era um sujeito de aspecto Catalão, moreno de basta cabeleira, cabelos negros e ondulados; sobrancelhas grossas guarneciam olhos escuros e miúdos, repuxados e levemente vesgos. Usava óculos com lentes grossas. As maçãs do rosto eram salientes, que junto a um bigode aparado, em fino, por cima de uma boca grande, davam forma a profundos sulcos naso-labiais. Tal face se completava com: alguma falha dentaria e, um mento encorpado frente à uma reforçada mandíbula. Tinha uma estatura mediana e um tronco relativamente fornido.

Assim sendo, como uma fênix retorna à vida, volta-nos à lembrança o seu aspecto fisionômico. Consta-nos que, este popular ganhava a vida com uma marcenaria rudimentar e amadora; como também amador era o seu segundo ofício: tocar trombone; se é que assim podíamos nominar àquela bem intencionada algazarra sonora. O seu instrumento musical era um artefato cansado pelo excessivo uso e pelo tempo; em quase tudo parecia com um doente terminal: era muito oxidado e, aqui e acolá portava um remendo de esparadrapo. Daí, em parte, o motivo da sua pouca sonoridade; na verdade já devia está inativo há algum tempo, assim preservando a boa figura de um dos "reis dos metais". Ficando na tutela de Jujú trabalharia até desintegrar-se; não tinha outro jeito. Jujú adorava tocar trombone..., não tinha, entretanto, o gabarito - talvez por não conhecer teoria musical - de formar na Furiosa - alcunha carinhosa da Banda de Música Recreio Caicoense. Suas atividades resumiam-se a animar periféricas gafieiras, alguns comícios de candidatos pobres, temporadas em pequenos circos e, verdadeiras maratonas no período do carnaval. O reinado de momo era um período de “vacas gordas” para músicos de pouco talento, como aquele humilde - notadamente bastardo - filho da pauta.

Jujú e seus pares, em companhia de animada trupe de Papangus, abriam o carnaval de rua acordando a cidade na madrugada do Domingo momêsco, ao som de uma meia dúzia de antiqüíssimas e consagradas marchinhas, num animado Zé Pereira. Eram, naqueles momentos, os arautos da alegria!... E aí vinham com: "mamãe eu quero"; "sapo não lava o pé"; "garota bossa nova"; "ô jardineira"; "doido também apanha"; "touradas em Madri"; "vassourinhas", etc., etc., etc. Nas tardes daqueles dias, aquele alegre senhor participava da charanga que puxava alguns blocos de sujo, como: o Ala Ursa, organizado pelo popular Genival Maleiro, que era carinhosamente chamado de: Bloco do Lixo!

Terminava, é preciso dizer, naqueles dias de entrudo, por animar às noitadas de alguma boate da zona do baixo meretrício, alegrando, certamente, aos freqüentadores contumazes daqueles antros.

Bons tempos, aqueles...; hoje, infelizmente, apenas fugazes lembranças!...


Natal-RN, 20 de fevereiro de 2002.
Gibson Azevedo - poeta

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

André foi-se...


Comentário que fiz por ocasião da morte do músico popular André da Rabeca. Fato que ocorreu há vários dias... Faço-lhe justiça! Nem tanto por seu refino musical; que praticamente não existia, mas, pela sua honesta presença, por várias décadas, no seio desta urbe que com concomitância se desenvolvia. Este excelente figurante se foi..., a cidade ficou...


Estou vivendo na minha querida Natal há quarenta e um anos... Assisti ao seu crescimento, a sua transformação de província para metrópole. Fui partícipe dos ares de grande cidade que, a pequena urbe daqueles dias, adquiriu no transcorrer destes anos. Amiudando os seus dias conheci alguns personagens da história popular deste queridíssimo reduto humano. Principalmente, os artistas... Cito alguns: Zé Mininim, Zé Minhoca, Britinho, Rei do Bico, André da Rabeca, a Paraguaia e outros tantos, que pululam ou pulularam na cena urbana do nosso arruado. Dividi este saboroso espaço cívico com todos eles. Com muito orgulho!

Natal, todavia, não consagra nem desconsagra ninguém (frase que gerou uma celeuma, quanto a sua criação: Uns, acham que foi criada por Câmara Cascudo. Outros, esbravejam e dizem que é obra do poeta Esmeraldo Siqueira). Não querendo entrar no mérito da discussão, assim mesmo, aprovo o seu enunciado; este, repleto de verdades.

Noto com alegria, as homenagens póstumas, que se nos prometem acontecer, nos dias subseqüentes a sua morte. É oportuno que realmente aconteçam, pois não é o costume corrente entre os nossos concidadãos. Lembro da morte do poeta maldito e popular Milton Siqueira; figura que povoou, com sua existência e sua arte, várias décadas do nosso cenário urbano. Pois bem, estávamos no seu velório e sepultamento: eu, Juliano Siqueira, Justiniano Siqueira(Mano, meu compadre), uma senhora que cuidou dele nos seus últimos dias de vida, junto com o seu marido. Ao todo, afora os coveiros, éramos cinco pessoas. Ninguém mais... Deixaram-me taciturno, aquelas exéquias...

Será que Natal mudou? Em todo caso, viva André da Rabeca! Valeu a convivência, caro operário da música! Natal, hoje, se encontra mais vazia.

Natl-RN, 23 de Janeiro de 2010.
Gibson Azevedo - poeta.
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