sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Assuntos de taverna.


Valdemar Sales - de pé.
Valdemar Sales, sujeito experiente, homem vivido, já tendo dobrado o "cabo da boa esperança", possui, entretanto, um excelente vigor físico e mental. Sempre de bom humor, frequenta com certa assiduidade a cantina do Sr. Mário Barbosa, pitoresca taverna situada nas cercanias de sua vivenda, na área suburbana clássica do Barro Vermelho, próximo ao centro da cidade, Esta, muito bem conceituada, birosca, é regularmente visitada por uma leva respeitável de pessoas pertencentes a classe média. Classe social, no cotidiano do nosso país, em via de extinção! Alguns são funcionários públicos. Outros, são profissionais liberais,  alguns são pequenos comerciantes.  Militares da ativa e da reserva e uma boa parcela de senhores aposentados fecham, a grosso modo, o elenco de pessoas que, com contumácia, frequentam-na. Valdemar é um deles... Fumante inveterado, não aceita críticas ao seu vício. E quando compra seus maços de cigarro, exibe-os, com ares de esperteza, mostrando as tarjas de advertência obrigatória, nas quais, o Ministério da Saúde, lembra que o hábito de fumar, pode levar o fumante à morte, por: "câncer de pulmão"; "infarto do miocárdio"; também por "acidentes vasculares cerebrais", etc., etc., etc. Aqueles maços que advertem que o nocivo hábito pode causar "impotência sexual nos homens" são, de imediato, refugados pelo maroto Valdemar. Nesta "gelada" ele não entra! Juntemos a este cidadão uma aparência séria, acentuada pela prótese ocular e uma calvície que o acompanha de priscas datas, que teremos um indivíduo assaz engraçado, na forma natural de existir.
Corroborando com a tese que, "todo papaco tem seu dia de dadaco", Valdemar afirma com convicção, com a autoridade de quem já leu reportagens científicas e, por mais incrível que possa parecer, revela que estudos arqueológicos recentes, demonstraram que, Lampião, o todo poderoso Rei do Cangaço, era "viado"! Queimava a rosquinha! Escorregava no quiabo!

Renato Aragão no papel do Cabra Lamparina

Existem entre os fregueses contumazes da citada cantina, Teixeirinha e seu tio Seu Luciano. O primeiro, mudo por escolha, é avaro com as palavras. O segundo é fã incondicional das escabrosas aventuras daquele facínora. Bem se vê que neste teto de bebericagens, aparece todo tipo de mazela..., até admiradores de bandidos. 
Houvesse o Seu Luciano, não ter tido a infeliz ideia de protestar das assertivas de Valdemar, não teria, este, fôlego para descrever com minúcias estórias contadas por ancestrais, e, demonstrar evidências que levam a acreditar que o tal homem era a "louca do cangaço".
"Olhe, Luciano - ponderava Valdemar -, o pervertido bordava, costurava, fazia crochê, brocados, trabalhos delicados em couro e outras tantas coisas de habilidade feminina".  “Todo moçoila, usava muitos anéis nos dedos, meias de seda e perfume francês". Espelhos e vidros coloridos enfeitavam suas vestes e chapelões". "E para completar o quadro ambíguo, folgava no uso de gestos e condutas teatrais". Contador de vantagem e mexeriqueiro como todo bom pederasta, concluía - segundo ele -, o quadro bizarro do desvairado cangaceiro. Alem do mais, acrescentava, que a medicina provou essa assertiva, através de um exame minucioso da arcada dentária daquele maricas esquentado. Seu Luciano, enfurecido com assunto, esbraveja: "que uma calúnia desta não pode ser verdade, que respeitemos à memória dos que já se foram, que não fica bem injuriá-los", etc., etc., etc. “Luciano! - argumentava Valdemar - o "bofe" dele era um tal de Pilão Deitado; alcunha que este adquiriu como uma corruptela do apelido original, que era: Mão de Pilão - numa comparação feita com o seu órgão sexual, devido ao tamanho exagerado". Enquanto Seu Luciano, apoquentado com o tema, prepara-se para evadir-se, Valdemar segue contando, que as pessoas mais antigas diziam, que, naquele tempo, o cangaceiro deitava-se numa rede espreguiçando-se qual urna gata no cio, e gritava para o "caso" dele: Pilão...! Se avexe, cabra da peste! Se achêgue, pra fazer seboseira nos meus quartos!"
Quando seu Luciano, visivelmente irritado, faz menção de levantar-se, Valdemar arremata: "a medicina é parada..., descobre os podres do passado até da Mãe do Calor de Figo !"
A cabeça de Lampião - pois foi essa, a única coisa que restou dele -, deve ficar a se revirar no túmulo, estourando de raiva com a má fama que lhe estão imputando, que enxovalha sua memória de valentão, chegando mesmo, nos dias atuais, a ser comparado a uma humildíssima e tisnada Lamparina... - "arma de fogo", sem futuro!
Bem feito! Quem mandou ele ser ruim!
    Natal-RN, 01/fev,/2003. Gibson Azevedo da Costa.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Comício de um certo Carvalho Neto - epílogo.





...A feira de Caicó acontecia sempre aos sábados. E na sexta à noite, já se encontravam posicionadas algumas bancas de venda de produtos diversos, próprio das feiras livres, comuns nos mais diversos arruados. Na calçada em frente ao mercado havia algumas mesas rústicas, destinadas à venda de calçados rudes, como: alpercatas de arrasto; de rabicho; sapato de campo; botas, etc. Essas mesas – bancas – precisam ser de tamanho considerável para facilitar a exposição dos citados produtos.
Havia uma dessas mesas que estava pejada de meninos e rapazotes, que nela treparam com a intenção de melhor observar a movimentação política; se é que assim podia-se chamar àquela caricatura de manifestação pública.
PRRÁÁÁ!!!..., a mesa quebrou-se! Ouviu-se, de chofre, aquele ruído estranho... Junto ao magote de meninos que, na queda, projetaram-se à multidão dando, à maioria das pessoas presentes, a falsa impressão de um estampido, um disparo...
O ser humano não é diferente dos outros animais. Principalmente, quando entra em pânico. Aquele ruído foi motivo suficiente, para desencadear um efeito indesejável nas multidões, conhecido popularmente, como: “o estouro da boiada”. Alguém que presenciou ou viveu fatos dessa natureza sabe, perfeitamente, o tamanho do desastre que uma populaça em pânico pode causar no seu atropelo de feras.
Foi o fim do comício..., entretanto, em frações de segundos ocorreram odisseias particulares, que pareceram durar uma eternidade, meio ao medo das pacatas pessoas. A palidez, a arritmia, eram uma constante nos indivíduos “semi-pisoteados”, de mãos trêmulas e corpos gélidos, olhos esbugalhados e cabelos desgrenhados. Escoriações diversas foram tratadas numa Farmácia próxima, na Maternidade e no Hospital do Seridó.
Foram colocados, diante da “Bomba de Gasolina” pertencente ao Seu Hermínio, alguns balaios cheios de objetos pessoais, como: sapatos, chinelos, bolsas, carteiras, canetas, isqueiros, chapéus, guarda-chuvas, relógios, pulseiras, trancelins, terços, rosários, canetas, lanternas, óculos, dentaduras, etc., etc., etc..., à espera que fossem resgatados pelos devidos donos. Surgiram também “estórias” ridículas. Inverossímeis, apesar da comicidade:
Uma serviçal da casa dos meus avós paternos, afiançava,jurava até, que tinha presenciado uma senhora, nossa vizinha e conhecida – gorda e sexagenária -  pedalando, à força,uma bicicleta que estava estacionada à esmo no meio da balbúrdia; coisa que a distinta mulher jamais sonhou em fazer no decorrer da sua pacata vida. Outras eram chulices, como a que alguém houvera dito: “Se sangue feder, eu estou baleado!” E mais: a de um sujeito que afirmava ter corrido mais de trezentos metros sem botar os pés no chão.
Daquela fatídica noite, por mais incrível que possa parecer, as lembranças mais nítidas, vívidas e que perduram até hoje, são o gingado da voz de Zito Borborema no papel de Zé da Onça respondendo, com malícia, à Sinhá Chiquinha, quando esta o comunicou que seu marido estava “passando mal” e que podia até morrer! Cantava assim o grande Zito:
“Ô Sá Chiquinha se ele morrer, não tenha medo de ficar sozinha. A despesa do enterro eu pago, Sá Chiquinha, a senhora é muito jeitosinha..., e se a senhora quiser se casar, Sá Chiquinha, a primeira preferência e minha!!!”
Às vezes, ao invés de “preferência”, ele dizia “Lapingochada”!
A canalha presente ia ao delírio... Bons tempos, aqueles...


Natal-RN, 26 de novembro de 2002 – Gibson Azevedo.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Comício de um certo Carvalho Neto - 3º ato.



Comício noturno na década de 60 - só que este foi no centro de Natal

                         ... Ainda ao som dos últimos acordes daqueles “encapetados do forró”, eis que subiu ao palanque entre palmas e apupos, a estrela maior daquela noite: o candidato a Deputado Federal – o Dr. Carvalho Neto. Aquela cidade, por ser, à época, a maior – em tamanho e importância - daquela, nacionalmente respeitada, região algodoeira, houvera produzido, por longos períodos, as principais figuras políticas do nosso Estado. Chegou a mandar, simultaneamente, dois dos seus filhos para o Senado Federal, eleitos pelo voto popular nas duas vagas daquele pleito. (Um, Dinarte Mariz, era ex-governador. O outro, Walfredo Gurgel, era vice governador;  que depois de assumir a cadeira do Senado, pediu afastamento para concorrer, contra aquele, ao governo estadual – obtendo memorável vitória em acirradíssima campanha.) Existia então, naquela ordeira cidade, um clima constante de animosidade entre os “pela-buchos” e os “vira-tripas”, como eram conhecidos, chistosamente, os seguidores daquelas correntes antagônicas. Algumas discussões descambavam para o entrevero e, não raro, propiciavam sofríveis cenas de pugilato.
Pois, foi naquela onda de efervescência e tensão política – muito embora houvesse naqueles dias uma sensação de calma, apercebia-se facilmente que era uma paz enganadora -, que aquele aspirante a uma vaga de deputado no Congresso Nacional subiu ao palanque.
Figura impressionante possuía o Dr. Carvalho Neto naqueles dias da sua juventude. De boa estatura, era forte, sem barriga; de tez clara apesar de mestiço; cabeleira ondulada tratada na força da brilhantina; sobrancelhas largas, nariz de bom tamanho, boca de bons dentes e um mento relativamente encorpado. Era dono de um olhar expressivo e penetrante, que denunciava uma petulância atrevida e indômita que se confirmaria nos anos que se seguiram. Houve muitas palmas..., das mocinhas, em maior número. E o orador, de improviso, começou o seu discurso...
Carvalho Neto - aqui já na idade madura.
Aquele tribuno, homem de boa voz e gestos teatrais, tinha o gravíssimo defeito de enaltecer carinhosamente aos seus correligionários, ao mesmo tempo em que injuriava e tripudiava ridicularizando, de forma desumana, seus inevitáveis adversários. Seu discurso, então, era cheio de altos e baixos; permeado de palavras de baixo calão, as quais eram pronunciadas evidenciando-se sílaba por sílaba. Exemplo: “Fulano de Tal é um La-drão!”.  “Aquilo é uma corja de Cor-rup-tos!” “Um antro de Ban-di-dos!” “A-pre-sen-ta-te Fres-co, Fe-la da pu-ta!”
E naquela torrente de impropérios, aquele energúmeno falaz, à medida que se passavam os minutos, gerava a insegurança, acirrando os ânimos e fomentando a discórdia. Em determinado momento do malfadado discurso, houvera uma pequena escaramuça: quando um dos adversários ferrenhos, irritadiço famanaz, ante a deslavada zombaria, ameaçou puxar uma arma de fogo, quando foi, prontamente, coibido por amigos. Correu, no entanto, o zum-zum-zum: “Fulano está armado e disse que atira na testa daquele falastrão, se ele continuar com estas lorotas!”
Indispensável dizer, que a assistência encontrava-se, por demais inquieta, atenta aos menores fatos...

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Saudade de um Futrica

Meses a fio, sem uma notícia sequer de um grande amigo de alem mar. Quem sabe se não as recebo, se eu usar as mesmas palavras que usei de outra feita!


          Saudade de um Futrica


Por que te escondes, oh poeta!...
Neste mutismo intrigante, indiferente...
Diz aí umas coisinhas pra gente,
Carentes que estamos de ti
Bem-te-vi errante de mil paragens,
Manda-nos as tuas mensagens,
Tatuagens indeléveis da tua alma,
Perdoa-nos se existem mágoas
E comungue novamente conosco
As tuas emoções!...

Natal-RN-Brasil, 14/Julho/2010.
Gibson Azevedo - poeta

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Comício de um certo Carvalho Neto - 2º ato.


Zito Borborema nos bons tempos


Zito e sua mulher Chiquinha do acordeom
Zito quando fundou o Trio Nordestino
...Nunca me senti seguro numa multidão. Entretanto, encontrava-me presente na aglomeração noturna daquele dia. Na realidade, tratava-se de um populacho reunido de última hora, às pressas. Era uma sexta-feira qualquer, de algum mês do segundo semestre, de um dos anos do início da década de sessenta.  Uma Kombi pejada de alto-falantes, já à tardinha, divulgava freneticamente nas ruas de Caicó, que haveria naquela noite – para a surpresa de todos, pois não existia nada programado -, em frente ao Mercado Público, na sua principal avenida, um comício temporão, fora de época, de um obscuro e jovem Bacharel em Direito que atendia pelo nome de "Carvalho Neto”. Este personagem lançava-se, precocemente, com surpreendente antecedência, candidato postulando  uma cadeira de deputado na Câmara Federal.
Caicó, naquela época, já demonstrava pequenos indícios de crescimento; tornar-se-ai, sem dúvidas, desenvolvida num futuro próximo. Notavam-se naquela pequena cidade, prenúncios dalguma agitação. Todavia, apesar de ser evidente o começo do seu desenvolvimento, achava-se, sua gente, parcialmente eivada de costumes que lhes eram alheios. Mantinha, entretanto intacto, quase na sua totalidade, o volume de comportamentos herdados dos seus ancestrais. Usos advindos dos tempos nos quais aquela pequena urbe não passava de um vilarejo. Costumava-se à noitinha, após o jantar, colocarem-se cadeiras às calçadas e ali em alegres papos com os vizinhos, aproveitavam-se as benfazejas primeiras brisas noturnas, que amainava o intenso calor do dia; produto de uma canícula impiedosa, abrasadora, sempre presente nos sertões nordestino.
O movimento em frente ao Mercado Público, naquela noite, começou tímido, com poucas pessoas. E tudo levava a crer que, aquela anunciada reunião política seria um total fracasso. Em alguns poucos minutos, todavia, naquela avenida formou-se, como num passe de mágica, uma considerável multidão. Bastando para isto, os primeiros acordes do regional de “Zito Borborema e seus Cabras da Peste”, encarregados que eram de animar aqueles primeiros e rudimentares arremedos de “showmícios”.
A população de Caicó é naturalmente animada. Gosta muito de festas e, atendeu prontamente àqueles apelos musicais. A função daquele forrozeiro era chamar a atenção dos curiosos, e fazer engrossar o número de populares daquele evento relâmpago. Não tardou para aquela via pública ficar completamente tomada de gente.
Zito era um sujeito estereotipado, vestido de cangaceiro, assim como restante de sua trupe. Até sua mulher, a “Chiquinha do acordeom”, que era a bamba no domínio da concertina, estava vestida nestes trajes. Aquele artista era um indivíduo muito engraçado: mestiço, de bons dentes, usava bigode; de estatura mediana, buchudo, meio atarracado – apesar disto, era ágil, muito lépido. Soltava seu vozeirão com muita facilidade. Agradava! Principalmente, quando, nalgumas músicas do seu repertório, apercebiam-se escandalosos rudimentos de pornografias. Alguns canalhas presentes adoravam!... Risotas aos montes..., fazendo uma bulha enorme ao final de cada frase. A apresentação do Cabra da Borborema chegava ao final, com as impagáveis  músicas:“ Zé da Onça”; e o “Namoro no escuro”.
Naquele momento, a canalhice se fazia à solta!...


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O encontro





                                                   

               O encontro



Vergou-me a alma,
Um pulo súbito no passado...
Pasmo e bobo te vejo como outrora.
Logo agora, na aurora da velhice...
Descanso o pensamento em nossa meninice
Colho maldosos, inquietantes retalhos
De uma tecedura que cuidava perdida...
Ainda há fogo sob as cinzas...
Constato.
Vejo-a tão perto
E eis que distância colossal nos separa
Ouço sua voz: julga-me o mesmo...
Surpreende-se, confessas, com a minha pouca estatura
Julgava-me mais alto...
Seus olhos assim me viam – respondo humilde.
E se a vida por capricho nos tolheu,
De juntos,
Ouvirmos os cantos sagrados das cotovias,
Resta-me o anseio de uma união para além da vida,
A mitigar-me a culpa dos fados inacabados...,
Que nem o alvor crepuscular olvida
Um sentimento desinquieto de perda,
Em um simulacro grosseiro de calma...
Abatido,
Com doída certeza...,
A verdade,
Esta que se desvendou
Ao errático encontro,
Por certo
Vergou-me a alma!


Natal-RN, 29/07/2011.
Gibson Azevedo – poeta.
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