quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O arteiro de sempre.



                                                       O arteiro de sempre

                           Infelizmente não dispomos de nenhuma foto deste ilusionista da palavra e dos gestos conhecido como Moscôro, natural da cidade de Jardim do Seridó. É provável nunca haver existido algum destes documentos gráficos, um instantâneo fortuito, por mais rudimentar que fosse.
Ariano é muito mais severo com os homens cultos - letrados
                              Segundo o grande mestre Ariano Suassuna essas figuras populares que se comportam de forma ardilosa e escorregadia não merecem maiores censuras de nós homens letrados e que, com certa contumácia, cometemos os maiores crimes. Estes homens nascidos do âmago do povo, segundo ele, cometem alguns pecadilhos e descuidos como forma de sobrevivência. Bastante diferente dos homens doutos que conscientemente se locupletam com contumácia da pecúnia alheia, sabendo perfeitamente de todos os desdobramentos deletério advindos destas condutas criminosas.  O grande Ariano adverte, todavia, que nada justifica uma conduta inadequada, mas quando um homem destes – homem do povo – no seu viver em constante apreensão em conseguir as condições basilares necessárias à sua sobrevivência comete algum pequeno embuste, deveria ser levemente apenado ou não existirem, nestes casos, pena alguma.   Concordo com o mestre.
Ariano Suassuna - nova versão de "O pensador".
                           Moscôro era um moreno escuro, magro, “espilongado” talvez devido a uma dieta alimentar incerta, vivia a dar pequenos golpes em alguns bodegueiros e pequenos comerciantes daquele pequeno arruado. Alguns destes diziam, duvidando da sua esperteza: “eu quero ver esse cabra sem futuro me enrolar... Tá, eu quer ver!...” No entanto, aos poucos, o citado dissimulado foi engabelando a eles todos.

                                O empresário rural Geraldo Dias costumava, nos seus vagares diários, passar pela mercearia do amigo Cícero Henrique, mais conhecido por Ciço Pequeno, para trocar um dedinho de prosa e degustar prazerosamente algumas bicadas de boa cachaça. Por isto e por outras, gozava de grande prestígio naquela pequena urbe. Era um homem confiável, de conduta ilibada. Certo dia, em conversa na citada mercearia, ele comentou que viajaria tal dia ao Rio de Janeiro no intuído de visitar alguns parentes que por lá residiam. Os ouvidos atentos de Moscoro captaram, súbito, àquela mensagem, já imaginando como poderia lucrar com aquele acontecimento. – “Viaja qui dia, cumpade Gerarrdo?” – perguntou, à toa, aquele conhecido popular, como se quisesse somente puxar conversa.  Quando obteve a resposta desejada, augurou-lhe uma boa viagem, e guardou disfarçadamente aquela informação.
                                    No dia da viagem, o citado malandro passou pela casa de Geraldo e se informou de Dona Rosita, sua mulher, se ele havia realmente viajado. Tudo limpo, o homem viajou...
                                    
                                Estava Ciço Pequeno na sua loja, atarefado no seu mister de bem servir, quando chegou Moscôro muito esbaforido e triste porque “ cumpade Gerarrdo” não havia deixado nem os mantimentos e nem o dinheiro para comprá-los. Como era que ele e os companheiros iriam se manter, trabalhando na caieira que eles estavam queimando lá no “Pau ferro”, sítio do conhecido Geraldo Dias? Assim não ia dar pra manter o fogo aceso, não! – comentou.   O comerciante hesitou de início, mas enfim perguntou: Mascôro, é muita coisa o que vocês precisam?  “É não, cumpade Cíço, é só três quilo de feijão, dois de farinha, três quilo de bulacha, quatro rapadura, um de café, duas caixa de fosco e um lito de gás” (querosene) – precisou, sem alardes, o conhecido embusteiro. De posse da mercadoria acondicionada em um saco de tecido, ganhou, Moscôro, o “oco do mundo".
                                      Passado alguns dias que Geraldo Dias havia retornado do Rio, tendo voltado a sua rotina diária dentro da qual, com sabemos, sempre visitava a loja do amigo Ciço Pequeno, que, intimamente, estranhou o amigo não agradecer o obséquio dele de, na sua ausência, haver fornecido aqueles gêneros de primeira necessitada e nem falar em saldar àquela pequena dívida. Perdeu a paciência e cobrou a despesa que Moscôro, em seu nome, havia contraído ao seu estabelecimento.  
                                       Cumpadre Ciço, Moscôro não está trabalhando pra mim, não! Nem nunca trabalhou. Ora se eu tenho serviço para um Cabra preguiçoso como Moscôro!... – Desabafou Geraldo e soltou uma sonora gargalhada ao perceber que o amigo comerciante havia sido vítima de mais “enrolada” daquele conhecido e manhoso encapetado.
                                       Aquele nêgo me paga! Ele que me aguarde!... – ralhou, o honrado Cícero Henrique, indignado por ter sido envolvido por aquele trote fula.

                                        Já decorria algum tempo sem que Moscôro fosse avistado por aquelas bandas, até que, finalmente Ciço Pequeno conseguiu dar uma sonora descompostura no evasivo e fugidio farsante:
                                         Você, cabra-de-pêia, não tem vergonha de me comprar fiado usando nome e a confiança outros? Seu velhaco safado!... E agora, o que é que você tem para me dizer, seu merda?... – indagou possesso, o ludibriado comerciante.
                                          “Ôôô... cumpade Ciço Piqueno, soschtô!, um nêgo véi tão antigo no cumerso cuma você, veterinaro no assunto, inda num se acustumô cum essa tá de tramenha?”- respondeu com a maior desfaçatez, aquele “destacado” dos pequenos golpes.

                                             Este personagem já se finou com certeza...  O tempo nos consome a todos... No entanto, este causo é por demais conhecido naquele núcleo populacional do Seridó norte-rio-grandense. Que Deus o tenha!


             Natal-RN, 26 de fevereiro de 2013.
                     Gibson Azevedo – poeta.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Perplexidade.



                          Um grande e dileto amigo, o José Luiz Araújo Valença, amizade consolidada no transcorrer dos últimos anos, todavia, não menos considerada que os mimos das estimas mais antigas; este recentemente me provocou com um mote que precisou ser mais bem metrificado, mas que na sua essência era, por demais, interessante. Tratava-se do sentimento de perplexidade do homem maduro ao deparar-se com a inevitável perda da preciosa virilidade, que inexoravelmente acomete a todos, nos últimos quartéis de nossas vidas. Quanto mais longa for a vida do homem, maior será o tempo de convivência com este infortúnio.
Grande Valença - grande amigo.
                        
                     Isto aconteceu num sábado, por volta do meio dia, nas dependências do Bar do Mário, ocasião na qual este amigo bebericava havia algum tempo, e motivado pela lucidez que o álcool promove nos primeiros momentos – hiatos de euforia –, lançou esta pérola que somente os machos já avançados nos anos têm a capacidade de fazê-lo, fruto da experiência vivida que nos dota, gratuitamente, deste vivenciado patrimônio. Como poeta e amigo, aceitei-a como uma fraternal incitação. Não me fiz de rogado... Fraternalmente, lhe respondi a altura - acho:




Mote:
             “Cabra véi” fazendo amor
              Só se aproveita o cansaço
Glosa:
              É riso pra o gozador
              Se ainda o tenta, a luxúria,
              Pois só vai contar lamúria...
               - “Cabra véi” fazendo amor.
              Se já foi bom “fudedor”,
              Antigamente, um “picaço”,
              Hoje só tem o mormaço:
              Mandinga, jogaram praga!...
              Mesmo à força do Viagra,
              Só se aproveita o cansaço!


             Natal-RN, 16/maio/2012.
             Gibson Azevedo – poeta.
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