quinta-feira, 21 de setembro de 2017

A verdade veio depois.







                              Recebi um convite da Srta. Marcela Nascimento Barbosa, para escrever algumas passagens sobre a vida do seu pai Mário Barbosa da Silva à frente do seu Bar, que situava-se na Rua Jaguarari, nesta capital. Devo dizer que o fiz prazerosamente, visto existir entre nós uma forte amizade. Estes nossos depoimentos, já que outros frequentadores daquele estabelecimento também escreveram suas reminiscências, em um capítulo dedicado a este fim, em um livro póstumo que a mesma escreveu enaltecendo a vida do seu saudoso pai.  Vejamos:
              
Os três: Mário,Sinfrônio e Léo, infelizmente. já se foram...


Livro de Marcela sobre a vida do seu pai.
                                                              
                                                             A verdade veio depois...
                          
                Vivi quase vinte anos dos meus momentos de lazer na convivência com amigos e conhecidos no singular barzinho que pertencia e ao senhor Mário Barbosa, local por demais conhecido da boemia natalense. Nunca me dei conta da real importância daquele aconchego semanal, que acontecera por anos naquela esquina do bairro Barro Vermelho. Distraído não percebi sermos finitos... Tínhamos por Mário, sem que soubéssemos, uma amizade profunda. Ele era o elemento catalizador, naquele “cadinho humano”, daquele microcosmo boêmio. Ali acontecia de tudo... Discutia-se sobre política, futebol e religião e acima de tudo, por ser um bar mais frequentado por homens, falávamos muito em mulheres. Sempre com muito respeito, pois o correto Mário não admitia indecências, atitudes despudoradas nas dependências da “Casa” (epíteto com o qual carinhosamente se referia ao seu querido bar). Nos demais assuntos as querelas e porfias aconteciam de forma perene e abundante pelos frequentadores contumazes. Discursões que, aparentemente pareciam estremecer os alicerces de amizades antigas, não passavam de insignificantes amuos que na maioria das vezes não ultrapassavam as primeiras vinte e quatro horas. Sumiam como num passe de mágica e a harmonia voltava a reinar no seio daqueles pseudo intelectuais – expertises na pobre erudição dos botequins. Na realidade, nada do que se discutia merecia uma teima ou contenda. Eram coisas de somenos importância...
                          Quase vinte anos...  E isto desdobrou-se no fato de: raro ser o dia que não me surpreendo pensando no amigo Mário. Creio ser uma lembrança constante nas nossas vidas de ex-frequentadores daquela cantina. Quando aquela taverna completou trinta anos de existência, Mário obstinou-se em fazer uma grande festa, com muita pompa, na qual ele proferiu um raríssimo discurso, já que ele não era muito afeito às falas. Observando hoje, três anos após a sua morte, aquele pronunciamento tinha um viés de despedida. Sua morte se deu pouco tempo depois, no mesmo ano. Desnecessário é, dizer que a tristeza ungiu impiedosamente o seio da boemia natalense. Conheço alguns amigos que não mais beberam após àquele desenlace urdido caprichosamente pela moça “Caetana”.
                         Lembro de uma ocasião na qual estávamos bebericando, eu e alguns amigos, poucos meses após o desencarnar daquele querido amigo, nas mesmas dependências, pois a família ainda não havia cerrado as portas em definitivo, quando Evandro Fernandes, como se estivesse movido por uma força maior, começou a falar da importância daquela convivência diária ou semanal que tínhamos com pessoas das mais variadas origens e que aprendemos a admirá-las, juntando-as as nossas vidas. Eram amigos ... Conhecidos... “Pois bem! - dizia Evandro - com a morte de Mário quebrou-se um elo em nossas existências. Estas costumeiras reuniões desaparecerão, deixarão de existir... Não saberemos mais do viver destes amigos. Teremos alguma notícia quando o acaso deixar-nos encontrar, com raridade, algum dos citados companheiros. Somente assim, saberemos das notícias de morte dalgum parceiro querido. Com a morte do nosso anfitrião, enquanto confraria, morremos também... Finamo-nos todos. E o que mais admiro, é que, somente agora me dou conta disto!”
Todos os que estavam presentes no bar, naquela ocasião, incluindo o galego sobrinho do Mário, que estava respondendo interinamente como gerente àqueles dias, choramos copiosamente naquela tarde sombria. Esta triste verdade consolidou-se depois...
                                                                                Natal-RN 23 de janeiro de 2017.
                                                            Gibson Azevedo da Costa - amigo e habitué da “Casa”.


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