Nestes dias do começo de minha septuagésima década de vida, pacientemente, lembro-me de uma pequena incursão minha na criação de um pensamento , a flutuar, já ha algum tempo, no estreito córrego do mundo filosófico. Vejamos:
Ainda
bem que este ano, aqui no nordeste brasileiro, o inverno chuvoso deu o “ar da
graça” e mostrou-se generoso à nossa população campesina e a vida reviveu
verdejante nas queridíssimas paragens rurais de nossa região.
Nada
disto aconteceu há doze anos passados... e naqueles dias escrevi:
Seca, a maldição de sempre
De tão nefasta, a seca chega a nos dar saudades dos anos de boas chuvas... Nestes dias, nos quais mais uma vez o nordeste padece com as agruras de, talvez, mais um ano de seca em sequência ao negro período de estio do ano que findou, vê-se avizinhar a certeza da tragédia da “terra calcinada” na qual na qual esta região se transformará – local onde não sobreviverá a maior parte da sua fauna e sua flora. Restarão apenas alguns espécimes da vegetação nativa. Nas velhas caatingas somente serão ouvidos os cansativos e irritantes zumbidos das cigarras e o farfalhar fantasmagórico de galhos secos ao sabor dos açoites das fortes virações. Deste quadro, o mais terrível é escutar o berro da dor da fome e da sede da inocente animália que aos poucos, ofegantes, perdem suas vidas. É triste a constatação, por parte destes pobres animais, que as costumeiras e acolhedoras “Bebidas”, do refrigério de sempre, não mais existem. Mesmo assim, ficam estes inermes animais a cheirar a terra seca onde outrora houvera água. Este é o maior significado da palavra saudade que já tomei conhecimento na minha modesta existência. É um sentimento por um “Ser bruto”, que, do âmago das suas mais basilares necessidades, lembra a delícia e o bem que lhe fazia aquele precioso líquido. Estes animais, ante ao inevitável desastre, vão se exaurindo nas suas forças e estinguem-se. Não costumo criticar as forças naturais, mas diante desta miséria não me furto em dizer: que coisa estúpida!
Um dia
destes caiu em minhas mãos um poema feito em decassílabos, que tinha um mote
fabuloso: “O Nordeste se enfeita e se perfuma/ Quando o pranto das nuvens se
derrama”. Ao tomar conhecimento deste mote perfeito, também o usei para, inspirado,
fazer uma sincera poesia, uma glosa, já que a saudade em melhores dias se aloja
no meu peito sertanejo, ensimesmado e macambúzio com mais esta tragédia
climática que se abate sobre nossa região. Vejamos:
Mote:
O Nordeste
se enfeita e se perfuma
Quando o
pranto das nuvens se derrama.
Glosa:
Juramentos
e propostas vem “de ruma”,
Em
resposta aos efeitos pluviais,
Veem-se ao
vivo os amores Celestiais:
O Nordeste se enfeita e se perfuma!
E nas
longas noites de boa bruma,
O desejo
nordestino se inflama,
No aconchego da rede ou da cama,
Chispando
nova vida, em centelhas:
Um bater de
sinos no barro das telhas,
Quando o pranto das nuvens se derrama!
...
Natal-RN,
18 de outubro de 2012(data do meu aniversário)
Gibson Azevedo - Poeta
Tempos Marcantes
Como é bom e prazeroso ler com minudências e atento aos detalhes de uma memória privilegiada como a do amigo Manoel de Medeiros Britto, que mesmo sendo um nonagenário não perdeu-se nas curvas do tempo, mantendo cuidadosamente vivas estas preciosidades nas suas lembranças de um homem maduro. Fatos importantes, assim como os corriqueiros, mantiveram-se com intensa vivacidade no recordo deste admirável ser humano. As imagens, os fatos, chegam-lhes como se os quartéis do tempo não já houvessem ocorridos. Alguns há várias décadas. Não são clarões fugazes, como pequenos lembretes que acontecem por acaso, e sim, imagens contínuas que peremptoriamente brotam quando se fazem necessárias, destas reminiscências tão agradáveis que Manuel decidiu publicá-las.
Agradecido estou, Doutor Manoel de Medeiros Brito. Ah! Se estou! ...
Natal-RN, 25
de outubro de 2022
Gibson
Azevedo da Costa.
Sinto-me no dever de publicar este poema no formato de quadras que me foi presenteado pelo amigo e poeta popular Wellington Medeiros, referindo-se a vultos populares que povoaram, há tempos, a nossa cidade Jardim do Seridó. São preciosidades da memoria daquele homem maduro, que bem ficariam se não se perdessem nas curvas empoeiradas do tempo. Penso assim e assim faço o registro:
Peço a sua permissão
Pra falar de eternidade
E figuras que se foram
Deixando muita saudade
Júlio Lobo, foi primeiro
Em seguida Antoin Baxim,
Biró Preto, João Vilar
E Seu Mané Chicotim
Avelino, Joaquim Alves,
Miliano, Andrézinho,
O grande Antoin Diá
E o maestro Galinho
Severiano, Pedro Lucas,
Fufado, Mané de Ana,
Cabra João, Migué Silvestre,
Seu Rosendo e Zé Santana
Comerciantes de fama
Júlio Mizael e Paulinim
Eram parentes próximos
Do fazendeiro Nequim
Vereador Esmerino,
Homem sério sem iguá
Eram do mesmo naipe
Ferreirinha e Dorgivá
Leopoldo, homem tranquilo,
Mané Xambá, bom padeiro
Chico Né vendia fumo,
Bebêdo, o relojoeiro
Ozires é um caso à parte
Foi enfermeiro e prefeito
Morava no meu coração
Do lado esquerdo do peito
Paulo e Pedro Paú
Dois irmãos muito queridos
Viveram mais de cem anos
Alegres e sempre unidos
Murilo, o comerciante,
Chico Galdino, o bodegueiro
Abá dos filmes no Grupo
Jesuíno o tesoureiro
João Medeiros, Orilo Dantas
- Este deixou muita dor -
Não frequentou faculdade
Mas era o nosso "Doutor"
Homero era o poeta,
Carneiro o historiador,
Seu Tião o tabelião,
Seu Vicente o consultor
Ciço Teixeira, o Buato
Zé Agostim, o carteiro
Chico Gonzaga, o forró
E Tutu, o mensageiro
João Babado das bananas
Era uma figura marcante
Pena que não gostava
Do mecânico Zé Cavalcante
O grande Mané Bernardo
Um exímio ponta esquerda,
Pensou disputar com Miranda
A seleção brasileira
Walter Nóbrega, o mentiroso,
Zé Santana, o loroteiro,
Cheno,
o arataca
Quelemente o açogeiro
Migué Peba, pai de Lalá,
Foi um grande sapateiro
Pena que nunca entrou
Na Porta de um banheiro
Gregório Cego falava
Gemendo como uma cama
Mas ele o que mais gostava
Era encher a cara de cana
O meu amigo Pachola
Filho do primo Gelásio,
De tanto emborcar o copo
Morreu bem moço, o coitado
Mestre Ciço mascava fumo
E Limoeiro também
Zé
Babado vendia tempero,
Gengibre, pimenta e xerém
O Presidente Getúlio
Morreu dum tiro de lazarina
Em Jardim deixou um devoto
O Seu Chico Catarina
Seu Paulino Chapeleiro
“Poeta do Lino é pau:
Tirando o Pau de Paulino,
Paulino fica sem pau!”
Antoin Sabino cuspia
Para comprar algodão
Mas quem trazia pra Usina
Era o tarado Cição
Avelino Maciel
Matava bode e ovelha
Mas
quando tomava umas
Terminava em caganeira
Júlio e Antoin Cristino
Herdaram do pai o apelido
Levaram Geraldo Dias
Deixando o Ganso sofrido
Pedro Roque (dos Morais) todo sábado
Tomava um porre danado
Pra amanhecer no domingo,
Na praça, todo cagado
Tinha uma empresa de ônibus
Do Seu Joaquim Baltazar
Homem que tinha uma puta
Em quase todo lugar
Teve Júlio Cassiano,
Misto de músico e tribuno,
Nas truacas que tomava
Discursava para o mundo
Falando sobre o Brasil
Na esquina, com Nêgo Zãe,
Um fuleiro gritou: BURRA!
Respondeu: “É o cu da mãe!!!”
Zé Braúna tinha uma burra
Famosa na região
Que fazia a alegria
Dos meninos do meu rincão
Benício o funileiro
Presava ceder “os quartos”
E se
roçando em Fulô
Prometia uns “artefatos”
Pedi ao meu Deus do Céu
Pra não esquecer ninguém
Sei que faltou muita gente
E muita rima também
Quem escreveu estas coisas
Não passa de um
Fuleiro,
Além de Cabra Safado,
Tinha que ser brasileiro
Termino
estas asneiras
Sem pensar em ser vedete
Sentindo, porém, um orgulho:
Ser filho de Maria Odete.
(Poeta Wellington Medeiros)
Natal-RN 14/ setembro/ de 2022.
Gibson Azevedo
Livro de Marcela sobre a vida do seu pai. |
Papo descontraído com amigos. |
Eu, com o meu exemplar autografado, ao lado do autor. |