Um nada fazer...
Havana, hoje. |
Era uma terça
feira, primeiro de outubro...
Encontrava-me ainda no meu local de trabalho a matar o tempo,
excedendo-me em demasia no horário fora do expediente; o que me é muito
natural, pois de lá só me retiraria por volta das vinte uma horas e trinta
minutos, já tarde da noite, com uma ideia preconcebida de apanhar meu filho
mais velho na universidade e retornarmos juntos ao nosso lar. Isto é uma
rotina. Assim acontece já há algum tempo, em todos os dias úteis das semanas do
período letivo. Não estranho mais..., já estou acostumado.
Naquela noite,
porém, por volta das vinte horas, atendo ao telefone que tocava
insistentemente. O telefonema era de minha irmã – onze anos mais nova que eu,
talvez por isto, por mim, muito amada:
A que ligas,
cara mana? – perguntei de cá.
Um favorzinho
se puder... – respondeu ela.
Depois de
alguns instantes de conversa, fiquei sabendo do que se tratava. O fato é que,
já no avançar das horas daquela noite, sua filha mais velha solicitou sua ajuda
na elaboração de um trabalho do colégio; trabalho que deveria ser entregue na
manhã seguinte. Este consistia em colher material para uma espécie de jornal –
talvez mural – que a turma dela estava organizando dentro das atividades
estudantis, própria dos cursos colegiais. Minha irmã percebeu que talvez não
fosse a pessoa mais indicada para responder um questionário, num formato de
entrevista, sobre um assunto que a mesma não viveu. Lembrou-se, no entanto, que
na época dos aludidos fatos eu já contava com sete anos de idade; sendo,
portanto, mais indicado para responder àquelas questões. Daí o motivo de
ligar-me àquelas horas, sabedora que era do meu hábito de ficar até tarde no
meu local de trabalho.
O assunto
gravitava em torno de mil novecentos e cinquenta e nove, quando aconteceram
alterações profundas no pacato mundo caribenho. Dizia respeito à revolução
cubana do fim daquela década.
Parece que parou no tempo (vejam os carros). |
Tendo sido pego
de surpresa – talvez fosse à intenção -, apelei para os fatos guardados de
memória; fragmentos de uma época em que vivi os meus verdes anos. Juntei-os a
pedaços de entrevista de autoridades ligadas àqueles eventos que guardei sem a menor preocupação, mas que ajudaram-me
a ter uma ideia critica sobre o tema em foco. Não tive muita dificuldade, como
era de se esperar, pois à medida que nos distanciamos de algum fato histórico,
cousas que na época dos acontecimentos se nos afiguram de forma obscura,
adquirem nuances de nitidez resolúvel, encaminhando-se, naturalmente, na
direção das elucidações – para o local onde a verdade reside.
Assim,
apressadamente, dei a minha modesta contribuição à singela entrevista – que era
motivo de aperreios das minhas queridas, irmã e sobrinha -, a qual,
acanhadamente, transcrevo na íntegra:
Entrevista de
um cidadão comum, feita por uma aluna do segundo grau do Colégio das Neves,
Natal-RN, sobre os acontecimentos que ditaram o destino da ilha de Cuba – a
pérola do Caribe – nos últimos cinquenta anos:
1-pergunta: Você acha que o
socialismo foi benéfico para Cuba?
Resposta: Quem viveu ou teve notícia, ainda
quente, dos dias que antecederam a queda do governo do ditador Fulgêncio
Baptista, chega e seguinte conclusão: Cuba era uma maravilha insular, ótima
para nela fazer-se turismo; boa água, boa música, boa gente... Entretanto, havia
forças impopulares corrompendo os alicerces do regime, concentrando a renda
nacional na mão de poucos, e multiplicando geometricamente a população de
miseráveis. Na realidade, Cuba era um puteiro dos ricos empresários, em férias,
dos países capitalistas. Sua população mendigava ou prostituía-se. Não havia
outra saída. Isto revoltou os nacionalistas – que eram poucos à época – daquele
país de analfabetos. Se a revolução, como sabemos, trouxe algum benefício à
educação, à saúde e a alta estima do povo cubano..., já seria mais que
suficiente para justificar aquele ato de bravura, acontecido no final dos anos cinquenta.
2-pergunta: O que achou da
atuação de Fidel e Guevara?
Resposta: Fidel Castro era filho de
latifundiário; tendo, portanto, tido todas as chances, como um pequeno burguês,
de subir e ter sucesso na vida. Ao contrário, já formado em direito, teve a
capacidade de indignar-se – e aí reside a sua principal virtude – com as consequências
nefandas da manutenção daquele “estado de coisas”. Entregou-se a causa de
libertar seu país da rapinagem vigente àqueles dias, sacrificando sua
juventude, seus sonhos e planos de adulto jovem, na busca da resolução dos
problemas que afligiam ao seu povo. Che era um visionário lutando contra
“moinhos de ventos” – sempre revoltos – em terras estrangeiras. Foi a alma da
revolução. Até hoje, veneram-no, quase como a um santo, na pérola do Caribe.
3-pergunta: Você conhece algum
acontecimento marcante daquele movimento social?
Resposta: o que posso dizer é que foi uma
revolução nos moldes da Revolução Francesa, com a participação efetiva da
população; inclusive com a adesão dos militares cubanos depois de determinado
momento do embate. Como fato inusitado, cito: o de Che Guevara deslocar-se nos
terrenos montanhosos de Sierra Maestra com a ajuda de um burrico, devido o
mesmo ser asmático e não poder fazer esforços físicos. Comenta-se também que,
Che, que era médico não praticante, numa emergência extraiu um dente de Fidel
Castro, sem anestesia; na força da coragem e, talvez, na dúbia ação de alguma
dosagem excessiva de rum ingerido com fins terapêuticos.
4- pergunta: Dê alguns pontos
positivos da revolução cubana, para Cuba propriamente dita.
Resposta: erradicação do analfabetismo;
incentivo à ciência com seus benéficos desdobramentos; consolidação de uma
saúde pública condigna e respeitada mundo afora; devolveu a alta estima ao povo
cubano; segurança; moradia, etc., etc., etc.,...
5-pergunta: Dê alguns pontos
negativos desta mesma revolução.
Em alguns locais vê-se a ação do abandono |
Resposta: para mim o fato que destoa e que
talvez comprometa o resultado daquele movimento revolucionário, - colocando à
parte o banho de sangue que se seguiu, à instalação ao novo regime, com o
intuito de se fazer justiça – foi a falta de tato no encarar das dívidas
acumuladas durante os anos de desmantelo; quando acirraram-se os ânimos,
chegaram, então, a temerária conclusão de não pagarem a quem deviam. Adotaram,
equivocadamente no meu entender, a solução mais simplória: o calote! Nada
poderia ser pior! Esta atitude levou aquele país ao descrédito total junto aos
organismos financeiros internacionais,
levando suas cidades e vilas ao sucateamento decorrente da falta de dinheiro.
Posições políticas, excessivamente ideológicas, trucaram as tênues
possibilidades de distensão que viriam a ocorrer com tempo, já que este é o
Senhor da Razão. O fato é que mesmo depois do fim da guerra fria, Cuba continua
isolada, condenada à letargia e ao abandono; parada no tempo a espera que a
acordem deste seu pesado sono...
Natal-RN, 01 de outubro de 2002.
Gibson Azevedo da Costa
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