segunda-feira, 12 de abril de 2010

Do comício à passeata.




Aproveito esta oportunidade, caríssimos leitores, para mostrar-lhes uma pequena crônica que fiz no rastro do ano eleitoral que estamos vivendo nas terras, destes "Brasis", tão amadas, onde, no fragor das campanhas, no aquecimento natural das disputas cívicas, acontecem fatos dissimulados ou inconfessáveis. Pois vamos lá:

Do comício à passeata

Às vezes somos levados a fazer coisas, pelas quais não temos a mais leve vocação em vivê-las ou realizá-las. Tempos depois, ficamos a imaginar como fomos envolvidos em tão alheias atitudes e atividades. Existem algumas, que exigem total dedicação, afeição até, para que toquemos escorreito pelas dificuldades que advêm naturalmente no labor diário; encaradas com sobriedade e calma pelas pessoas que, acertadamente, escolhem tais misteres. Outras, são escolhidas por puro oportunismo ou gaiatices; de ruínas tão conhecidas e ou funestos resultados. Alguns indivíduos, reconhecem a tempo a visível inapetência para os afazeres que lhes são impostos e descambam para a renúncia - a desistência salvadora. * * *

Manuel do Ancado Alto, destacado profissional liberal da cidade de Novo Cruzeiro-RN, vivia acuado em si mesmo ao se aproximarem os cíclicos períodos eleitorais, ante a insistência dos conhecidos caciques políticos daquela região, para o mesmo colocar seu nome à apreciação dos eleitores do município, disputando uma cadeira à Câmara Municipal. Manuelzinho, como era afetuosamente conhecido, sempre, e com certa maestria, conseguia manobrar e evadir-se daqueles cercos sazonais, fugir dos encurralamentos bissextos dos anos eleitorais. Sempre havia uma desculpa oportuna que o acudia naqueles dias de aperto, que antecediam as convenções dos partidos políticos que se digladiariam no processo eleitoral. Entretanto, foram-se passando os anos, os filhos já adultos, a mulher (professora) já aposentada, os pais, que eram idosos, já haviam falecido, a profissão já não exigia muito a sua constância..., e assim, sem uma justificativa mais razoável, quedou-se vencido e admitiu, mesmo contra a sua vontade, sair candidato à vereança pela legenda do malsinado Partido. Manuelzinho era um homem muito tímido, muito introvertido. Jamais aquela massa daria liga para se confeccionar um bom e dissimulado político... E daqueles que estão pleiteando um cargo, então!... Não poderia dar bom resultado, aquela empreitada. Não fossem os empurrãozinhos dos conhecidos e dos compadres, os afagos gratuitos da gentalha amiga, já teria, por parte daquele coitado, havido um estrebucho contrário àquela situação estranha ao seu pacato viver de tantos anos. Sentia-se desconfortável, como se estivesse tangido meio a um bando de mulas. Estava pagando muitos pecados..., alguns, por ele, nunca praticados.

Enfim chega, como se esperava, a campanha política propriamente dita... O povo, já engajado e inocentemente envolvido, participava de todas as manifestações patrocinadas por aquela agremiação política. Na realidade, nada recebia em troca pela sua fiel confiança àquele nascedouro momentâneo de ilusões, prenhe de discursos adornados com frases ocas e palavras de ordem inverossímeis. Muitas músicas, muitos dizeres, muitos vivas!, ao som de estridentes espocares de rojões.

Logo no primeiro comício, forçaram ao inexperiente Manuelzinho usar da palavra, que, vencida alguma relutância, proferiu uma meia dúzia de frases pelas quais foi muito aplaudido. Aquilo o envaideceu... Comentou consigo mesmo: “não é que eu tenho jeito para este negócio? Hummmm..., hum!” Eis que mais adiante improvisaram uma passeata – marcha a pé –, como é costume nestes ajuntamentos e partiram animadamente até ao final de uma rua próxima, onde já haviam, estrategicamente, instalado mais uma providencial gambiarra luminosa. Tudo corria às mil maravilhas..., quando um gaiato ou um enrustido desafeto, aproveitando que Manuelzinho, no seu noviciado político, vinha trotando, escanchado no ombro de um conveniente Babão, aplicou-lhe três ou quatro dedadas no seu respeitável monossílabo e sumiu, anônimo, na balburdia da animada multidão. Quando chegaram ao local previamente acertado para o segundo comício, notaram, aquele postulante a vereador, lívido de raiva, totalmente descontrolado, beirando a apoplexia.

- O que é isso, Sêu Manezim? O qué qui você tem, homi? – Indagavam solícitos, os chefetes de plantão.
- Né nada não, seus merdas! Vou-me embora desse inferno. Olhe, por este preço eu não quero ser nem Senador!... – E sumiu apressadamente, degustando resquícios de impropérios, rumo a sua veneranda residência.

Nunca mais, aquele homem simples, experimentaria as agruras de um homem público.

Natal-RN 30/ mar./2010.
Gibson Azevedo - poeta.

PS. 1)Os nomes e localidades foram alterados para evitar os eventuais melindres.
2)As fotografias anexas estão apenas ilustrando o texto. A primeira, trata-se de
uma referência a um político português que lembrava, em muito, o grande
personagem da obra de Dias Gomes. Nas outras fotos, vemos Paulo Gracindo dando
um show na pele do Coronel Odorico Paraguaçú, na impagável novela "O Bem
amado" e vemos, esta rara figura da ficção, comprimentando um verdadeiro
Coronel da política Brasileira, à época, Antônio Carlos Magalhães.
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