segunda-feira, 30 de março de 2009

E haja paciência!







Já que estamos no finalzinho de Março e praticamente no começo do mês de Abril, lembrei-me de postar alguma coisinha que escrevi em tempos passados. Este conto reporta-se a tempos mais antigos ainda. Acho, no entanto, que vale a pena publicá-lo. Pode ser que alguma pessoa, de bom coração e espírito desarmado, tenha a paciência de lê-lo. Podem até gostar, é possível...Senão vejamos:


E haja paciência!
Somos imagens refletidas de espelhos do passado! Vivemos como nos mandaram costumes de herança; hábitos pretéritos que nos acompanham como sombras. Sombras das eras... . Apesar de fervilhar-nos n'alma um espírito empreendedor, acompanha-nos também costumes deletérios de uma preguiça ancestral. A cultura latina advinda da antiga Roma chegou até nossos dias, via povos de países ibéricos que foram antigas províncias romanas. Este tipo de cultura é, na realidade, uma mistura de comportamento das províncias gregas mediterrâneas e de outros povos também dominados por aquele grande império, como: cartagineses e mais alguns da África branca. Ali no mediterrâneo, naquele formidável, excessivo, número de ilhas, penínsulas, cabos, estreitos, istmos, e pequenos mares, reinaram; e, na barganha, persuasão, ocupação e conseqüente domínio opressor, os povos romanos fizeram sua história. Difundiram seu idioma, que foi naturalmente se dialetizando dentro das várias etnias dos povos dominados e, com estes também, mesclaram seus costumes, seus deuses míticos e seus medos. Assimilaram involuntariamente com o tempo, peculiaridades dos povos vencidos, que de Roma tornaram-se vassalos.
Passado o pesado jugo do domínio universal sobre o mundo conhecido, ante a ruína daquele fabuloso império, entramos num decadente período conhecido como Idade Média, onde o obscurantismo se fez rotina; a ignorância e o analfabetismo fizeram morada até nos lares das famílias mais destacadas. Na vacância de poder deixada pela ruína da administração e vida imperial, apareceram milhares de pequenos reinos e feudos; todos prenhes de instabilidade... Estados duma existência efêmera. Grassaram por essa época às guerras intestinas, de resultados danosos, que debilitavam cada vez mais esses povos. A igreja católica, rnadraça e oportunista, apoderou-se indevidamente das fontes do saber, não deixando às pessoas que sobreviveram a este cataclismo político, um único pergaminho, por menor que fosse. Sabiam da importância do conhecimento, para aquele que o detém, no domínio de outros povos. Se quisermos escravizar as pessoas que nos cercam, mantenhamo-las em estado de total ignorância. Esta é uma regra básica, que a Santa Madre Igreja cumpriu, cinicamente, naqueles sombrios séculos de escuridão. Entretanto, os povos da Península Ibérica libertaram-se sorrateiramente daquele "sacro monopólio do saber", e despertaram baseados nos antigos conhecimentos gregos e romanos, para as grandes descobertas - voltados que estavam às novas tecnologias. A invenção da imprensa, da bússola, da caravela e outras, foram motivo suficiente para povos como os Portugueses e Espanhóis, aventurarem-se por "mares nunca dantes navegados". Estes povos tinham suas praias ocidentais, voltadas paras as vagas enormes do verdadeiro mar - o Oceano Atlântico. Era praticamente impossível resistir a este apelo. Vieram, pois, ao Continente Americano; batizado por Américo Vespúcio de: Novus Mundus. Trouxeram na bagagem, suas culturas além do seu domínio. Misturaram-se com os povos nativos, transmitindo seus costumes, alguns herdados das culturas mais antigas de que se têm notícias. Eram latinos..., e como latinos, latinizaram os povos das terras conquistadas Eram gente de sangue quente; por vezes estouvados, de excelente apetite sexual. Daí, a facilidade de miscigenação com os povos dominados. Dos muitos costumes que nos deixaram, existe um, estranho a outros povos, que permanece intocado até hoje. Trata-se da indispensável “siesta”; ou seja, “madorna”, como por cá é mais conhecida.

* * *
Partindo destas reflexões, remexendo com as lembranças, deparamo-nos com a figura de um pequeno comerciante da Vila Conceição, que também se chamou de Conceição dos Azevedo; na citada época, já se chamava de Jardim do Seridó.
Bêbêdo, assim era conhecido aquele autêntico representante da família dos antigos fundadores do lugar, de cor branca, era um homenzarrão sério, corpulento, vasto bigode, um vozeirão enorme... Bêbêdo destacava-se, por ser um homem muito trabalhador, sendo relojoeiro e dono de um armarinho; atividades comerciais que ele exercia no mesmo local de trabalho. Homem honrado, virtuoso; tendo como fruto da sua labuta diária, educado três filhos e parentes agregados. De bom coração, tinha, no entanto, um temperamento instável; era daqueles, que são taxados desde cedo, como sendo de “pavio curto”. Na lida de comerciante, procurava disfarçar essa faceta esquentada da sua personalidade. Todavia, aquele vulcão em constante atividade, mesmo em estado de latência, precisava somente, de um pequeno empurrãozinho para entrar em erupção.
Os habitantes daquela pequena urbe, ainda hoje, vivem a observarem-se mutuamente, com contumácia, julgando e simultaneamente punindo com comentários maldosos, de forma precipitada; ralhando com o comportamento dos semelhantes, sem, no entanto, observarem seus próprios defeitos. Imaginemos como era, no passado, no final da década de cinqüenta...!
Aconteceu um fato interessante, apesar de bizarro. Naquela cidade nada se movimentava no pino do meio dia. Tinha-se a impressão, de que haviam curarizado aquele aglomerado de casas; dado ao silêncio mortiço que ocorria após o almoço, hora da siesta. Naquela rua central, frente ao armarinho de Bêbêdo, ouvia-se casualmente o som característico do choque de bolas de sinuca ou bilhar, numa conhecida Casa de jogo, sem que isto interrompesse o cortante silêncio. Nem o assobio das virações, constantes naquelas plagas, feria aquele pesado silêncio.
Bêbêdo tinha o costume de almoçar e imediatamente voltar para o armarinho, onde um par de armadores, estrategicamente chumbados na parede, recebia uma cheirosa e bem cuidada halmaca - rede de dormir -, na qual descansava por uma hora ou mais... Deixava, todavia, aberta a meia porta da frente, para que fregueses numa emergência o chamassem para despachar alguma mercadoria. Isto era de conhecimento de muitos dos seus concidadãos.
Certo dia, Newton Amorim, um dos Tabeliães daquele município, sendo um sujeito espirituoso e apreciador incorrigível duma troça, juntou uma rnatula de moleques vadios, dos quais, comprou o compromisso de interromper de forma intermitente, a sonora pestana de Bêbêdo. Sonora porque, seu ronco ouvia-se na outra calçada, na porta da Casa de jogo. Naquele dia, depois de se certificarem que ele já havia adormecido, chega o primeiro menino:
- Sô Bêbêdo! - gritou o moleque batendo palmas.
- hanggram! Diga! - respondeu o semi-desperto, temperando à garganta.
- Eu quero comprar uma pedra de isqueiro! - respondeu o moleque, com acara mais inocente do mundo
O comerciante levantou-se sonolento, cambaleante, e despachou o pedido do menino.
Depois de alguns minutos e de terem a garantia de que ele já dormia profundamente, chegou o segundo peralta:
- Ô Bêbêdo!!! - gritou alto, no susto, sem bater palmas.
- O qui é que você quer? – perguntou, já desperto e meio afobado.
- Papai mandou eu vim comprar uma pedinha de isqueiro! - rebateu o moleque,que estava muito bem ensaiado.
Desta feita, ele despachou o pedido já praguejando muito; e só voltou a deitar-se depois de alguns minutos de carência. Quando julgou a coisa calma, deitou-se novamente.
Quando chegou o terceiro capeta, Bêbêdo já dormia de boca aberta, o que promovia roncos altíssimos:
- Bêbêdo! Você tem peda de isqueiro? - perguntou um molecote meio magro, trepado na meia porta, com o corpo parcialmente dentro do armarinho.
- Tem não! Respondeu prontamente o decidido comerciante, dirigindo-se apressadamente em direção às prateleiras, retirando bruscamente duas caixas de pedras para isqueiros, e, chegando à porta, jogou-as ao meio da rua e bradou.
- Vão comprar pedra de isqueiro na casa da "puta qui o pariu!!!" Bando de cabras safados!!! Era só o que me faltava!!! - estava visivelmente irritado. Beirando à apoplexia.
Naquele momento, era um Vesúvio em plena erupção; soterrando Pompéia e Herculano. Se assim o compararmos, àquela antiga tragédia...

Nata!-RN, 22 de julho de 2003. Gibson Azevedo da Costa

terça-feira, 17 de março de 2009

Desequilíbrio - Mais um conto

Martírios a parte, percalços sanados, injúrias desprezadas, etc., etc., etc. ..., êita, vidinha boa de se viver!... Não se pode chegar à outra conclusão, senão esta. “Benza Deus!” O nosso País é povoado por várias espécies de seres híbridos – misturas étnicas, as mais improváveis, pra não dizer absurdas – que trazem no risível de suas existências o riso fácil de um humor acima da média. Famílias inteiras, por vezes, têm no seu cotidiano a veia da galhofa, o dom do burlesco; sem que para isto houvesse necessidade do menor ensaio. Acontece naturalmente, meio que de afogadilho, entrançado nas oitivas brejeiras, do Falar, e no Entender, desses indivíduos. É um improviso semiconsciente de respostas abruptas como um estalo - e não menos adequados. Alguns caem como luva nas mãos generosas dos amantes da picardia: o Contador de estórias, o Guarda-livros dos causos, Amanuense dos trotes e das troças.
Então, para ilustrar existências picarescas de conhecidos Bandalhos, anotemos que, certa vez, um nosso conhecido sátiro, Doutor Dedé (Dedé Fulô), ao chegar - em outra oportunidade -, ao mesmo lugarejo, distrito da cidade de Cabrobó-PE, visitando, como de costume, o mesmo “Cai-pedaço” onde se deu o entrevero com a Quenga “fraca-de-feição” conhecida pelo nome de “Ináiça”, percebeu que a situação do ridículo Estabelecimento em nada havia melhorado. Na realidade não lhe haviam cerrado às portas, diziam, por falta de tramela. A cara do dono da espelunca era um desânimo só. Como sempre, foi Dedé quem puxou conversa:
- E aí Mestre, alguma melhora neste “Mundo de meu Deus”? – referindo-se com este mimo à situação do decadente Cabaré.
- Nada! As Quenga agora é tudo im Recife ou nas Oropas, inrolano os Gringos – ponderou o experiente Cafetão.
– Hoje num tem nem Ináiça... – arrematou o velho Proxeneta. De fato, naquela secura maldita que era a falta de mulher, um “Brocoió” mais sabido arrematou Ináiça, sem levar em conta a sua evidente feiúra e “montou casa” pra ela.
Dedé Fulô, cabra véio escolado na boemia, deu uma vagarosa olhada nas ruínas daquela desventurada taverna, como se observasse aos escombros de um pós-guerra, e deu de cara com um Bebinho meio alegre, daqueles do tipo caseiro, que o encarou com os olhos baços e um inacreditável estrabismo etílico, a lhe apontar longa e bambamente com um vacilante dedo indicador, para finalmente sair-se cantarolando esta pérola:
- Aaaaáá.....raácíí... de Almeeeida, ráá!, lárárárá, rárá. Lá, rárárá, rárá rárárárá..., ..., ..., ...
- Ôxente, Mestre! Isso aqui agora virou Silvio Santos? Era só o que faltava: o baú da felicidade nesta merda de espelunca! Sai de retro, satanás! - Despachou-se Dedé, apressadamente, resmungando migalhas de palavras meio a uns impropérios e despediu-se com um “até nunca mais”!

Natal-RN, 05 de março de 2008.
Gibson Azevedo da Costa

quinta-feira, 5 de março de 2009

Apreciando poesias...


Recebi um simpático email do Psicólogo Uruguaio Gustavo Gopar, estabelecido em Montevidéu, que prazerosamente li, mesmo tratando-se de um contato puramente cibernético. Ele, por acaso, acessou o meu Blog http://www.pousodaverdade.blogspot.com/ , leu algumas matérias e, para minha satisfação, fez um comentário sobre o poema “Temporada”. Fato que agradeci prontamente; independente do comentário ser elogioso ou não. Em outro contato, agora já via email, Gustavo demonstrou interesse – psicólogo que é – no meu processo, método de criação, principalmente com relação à poesia. Declinei como resposta as seguintes palavras:
Lamento lhe informar que, no que tange ao processo criativo, no meu entender – no meu caso -, é uma coisa simples e inexplicável. Acontece nos momentos mais estranhos e inesperados. (Referindo-me a concepção do poema “Ilusórias”, que deu-se numa inexpressiva ocasião na qual levara o meu carro a um lava jato, e a demora na execução do serviço, fez-me observar melhor a cena urbana daquele local, e, sem uma explicação palpável, aflorou-me algumas reminiscências... e com elas o poema.)
Em outra ocasião, com muita simplicidade - sincero sobremaneira -, Gustavo emitiu sua opinião, sobretudo profissional sobre o meu enunciado e, entre tantas considerações, grafou:
“Cada vez que sienta um – clik – a traves de algún estímulo del mundo exterior, déjese llevar, fluir por las palabras, ( Ya que usted escribe por supuesto) bien libremente, sin censurar ninguna palabra, deje que el inconsciente hable, escriba por sí mismo y entonces todo deviene magia y sorpresa y su poema será hermoso original y único.”
Cuidados que refería-se também ao meu poema “Ilusórias”, motivo pelo qual, reiterando os meus profusos agradecimentos pelo seu comentário, publico-o na íntegra no meu Blog:

Ilusórias

As ruas da minha infância
Não tinham árvores podadas...
Um arvoredo nativo,
De boa altura e imensas copas.
Tinham a sua utilidade:
No lazer da criançada;
Refrigério de pouso rápido
No intervalo das longas caminhadas...,
Aliviando rigores inclementes
Duma canícula abrasadora;
Abrigo aos namoros diurnos,
Num debulhar de feijões.
Enchiam de verde meus olhos...
Na poeira dos verões...
No lamaçal dos invernos:
Meu Parque de Diversões!
Nas brincadeiras inocentes,
Daqueles “Tiquinhos de gente”.
Relembro com emoção...,
A minha infância na rua.
Não vejo, todavia..., onde... Quando?... Que rua?

Natal-RN, 19/Dez./2006.
Gibson Azevedo da Costa – poeta

PS. – Gustavo me confidenciou, gentilmente, que o idioma português é muito doce; e destacou as palavras saudade e lembrança para exemplificar.
Caro amigo, talvez essas sejam as mais lindas pérolas da “Última flor do Lácio”!
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