Recebi um convite da Srta. Marcela Nascimento Barbosa, para escrever algumas passagens sobre a vida do seu pai Mário Barbosa da Silva à frente do seu Bar, que situava-se na Rua Jaguarari, nesta capital. Devo dizer que o fiz prazerosamente, visto existir entre nós uma forte amizade. Estes nossos depoimentos, já que outros frequentadores daquele estabelecimento também escreveram suas reminiscências, em um capítulo dedicado a este fim, em um livro póstumo que a mesma escreveu enaltecendo a vida do seu saudoso pai. Vejamos:
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Livro de Marcela sobre a vida do seu pai. |
A verdade veio depois...
Vivi quase vinte anos dos meus momentos de lazer na convivência com
amigos e conhecidos no singular barzinho que pertencia e ao senhor Mário
Barbosa, local por demais conhecido da boemia natalense. Nunca me dei conta da
real importância daquele aconchego semanal, que acontecera por anos naquela
esquina do bairro Barro Vermelho. Distraído não percebi sermos finitos...
Tínhamos por Mário, sem que soubéssemos, uma amizade profunda. Ele era o
elemento catalizador, naquele “cadinho humano”, daquele microcosmo boêmio. Ali
acontecia de tudo... Discutia-se sobre política, futebol e religião e acima de
tudo, por ser um bar mais frequentado por homens, falávamos muito em mulheres.
Sempre com muito respeito, pois o correto Mário não admitia indecências,
atitudes despudoradas nas dependências da “Casa” (epíteto com o qual carinhosamente
se referia ao seu querido bar). Nos demais assuntos as querelas e porfias
aconteciam de forma perene e abundante pelos frequentadores contumazes. Discursões
que, aparentemente pareciam estremecer os alicerces de amizades antigas, não
passavam de insignificantes amuos que na maioria das vezes não ultrapassavam as
primeiras vinte e quatro horas. Sumiam como num passe de mágica e a harmonia
voltava a reinar no seio daqueles pseudo intelectuais – expertises na pobre erudição
dos botequins. Na realidade, nada do que se discutia merecia uma teima ou
contenda. Eram coisas de somenos importância...
Quase vinte anos... E isto
desdobrou-se no fato de: raro ser o dia que não me surpreendo pensando no amigo
Mário. Creio ser uma lembrança constante nas nossas vidas de ex-frequentadores
daquela cantina. Quando aquela taverna completou trinta anos de existência,
Mário obstinou-se em fazer uma grande festa, com muita pompa, na qual ele
proferiu um raríssimo discurso, já que ele não era muito afeito às falas.
Observando hoje, três anos após a sua morte, aquele pronunciamento tinha um
viés de despedida. Sua morte se deu pouco tempo depois, no mesmo ano.
Desnecessário é, dizer que a tristeza ungiu impiedosamente o seio da boemia
natalense. Conheço alguns amigos que não mais beberam após àquele desenlace
urdido caprichosamente pela moça “Caetana”.
Lembro de uma ocasião na qual estávamos bebericando, eu e alguns amigos,
poucos meses após o desencarnar daquele querido amigo, nas mesmas dependências,
pois a família ainda não havia cerrado as portas em definitivo, quando Evandro
Fernandes, como se estivesse movido por uma força maior, começou a falar da importância
daquela convivência diária ou semanal que tínhamos com pessoas das mais
variadas origens e que aprendemos a admirá-las, juntando-as as nossas vidas.
Eram amigos ... Conhecidos... “Pois bem! - dizia Evandro - com a morte de Mário
quebrou-se um elo em nossas existências. Estas costumeiras reuniões
desaparecerão, deixarão de existir... Não saberemos mais do viver destes
amigos. Teremos alguma notícia quando o acaso deixar-nos encontrar, com
raridade, algum dos citados companheiros. Somente assim, saberemos das notícias
de morte dalgum parceiro querido. Com a morte do nosso anfitrião, enquanto
confraria, morremos também... Finamo-nos todos. E o que mais admiro, é que,
somente agora me dou conta disto!”
Todos os que estavam presentes no bar, naquela ocasião,
incluindo o galego sobrinho do Mário, que estava respondendo interinamente como
gerente àqueles dias, choramos copiosamente naquela tarde sombria. Esta triste
verdade consolidou-se depois...
Natal-RN 23 de janeiro de 2017.
Gibson Azevedo da
Costa - amigo e habitué da “Casa”.