sábado, 13 de junho de 2009

Apôis, têje prêso!

“Apôis, têje preso!”
(palavras do nefelibata que prendeu o Comendador)
Quis o destino nos seus imprevisíveis e caprichosos quereres que somente a pouquíssimo tempo eu tivesse a oportunidade de conhecer uma interessante e singular figura humana. Um sujeito folgazão, insinuante sob a égide de um bom papo, franco em demasia, distribui, nas ante-salas da boemia, locais nos quais mantém rotineira presença, o brilho inequívoco do seu caráter e a gostosa mansidão do seu temperamento. Um homem sereno... Trata-se do hoje Advogado Benevaldo Silva Lourenço (o Dr. Bené, de respeitável atuação nos meios jurídicos do nosso Estado). Apesar de ser um homem bom e sem maldades, não é de forma alguma um inocente. Mas, Já foi! Em dias idos, como todo jovem, era um imaturo e despreparado que cometeu, como todos na sua pouca idade, desatinos, destemperos, que seriam indesculpáveis em existências mais maduras. E esses frutos da imaturidade, ele os cometeu...
Seus pais, em décadas pretéritas, migraram com os filhos para o Estado de São Paulo em busca de dias melhores; por lá residiram uns bons pares de anos. Como conseqüência, alguns filhos - os mais velhos -, com eles não retornaram ao Nordeste, precisamente ao estado do Ceará.
O tempo passou e o Jovem Benevaldo já servia o Exército Brasileiro... Por este motivo era muito considerado em sua comunidade. Lembra o bem humorado Bené, que quando comparecia a um “arrasta pé” na sua cidade, não deixavam que ele pagasse despesa alguma. Tratavam-no como se fosse uma autoridade! Dias depois, comunicou ao seu velho pai que estava “dando baixa” do Exército, mas que ele não se preocupasse, pois estava “sentando praça” na policia militar. “- Na puliça, meu fio! Logo lá?” – perguntou surpreso, o velho sertanejo. “- Né milhor você ir pra São Paulo e arrumar um imprêgo, como seus irmãos, Não?” – insistiu com veemência, o experiente cidadão. Nada demoveu Bené do seu intento; ingressou, nos anos setenta, sem dar ouvidos aos conselhos do seu genitor, na gloriosa Polícia militar do Rio Grande do Norte.
O soldado raso Bené, segundo ele mesmo comenta, era enquadrado em demasia, seguindo à risca as ordens superiores; chegou ao ponto de, se encontrasse alguém fardado, sem observar nenhuma diferença na patente, bater continências até para guardas-noturnos...
Tudo parecia correr com tranqüilidade, sem maiores sobressaltos. Entretanto, certa noite, aquele solícito novato, tendo sido requisitado naquele dia a compor o pelotão da Radio Patrulha, cumpria nervosamente o seu plantão, quando o Praça do rádio anunciou: “Vamo, Vamo, vamo!... Pintou sujeira num Cabaré! Avie! Ligue a sirene e toque a viatura pra Zona!”
Quando a rural da polícia estacionou em frente à boate de propriedade de um proxeneta chamado David, na Av. Romualdo Galvão, apareceu uma récua de mulheres dizendo esbaforidas: “que se tratava de um velho que havia bebido muito, mas não queria pagar a despesa”. Ao encarar o suposto bêbado, Bené, querendo mostrar serviço, instava-o a pagar àquela conta... O indivíduo calado, muito calmo, fumava seu charuto como se nada estivesse acontecendo. Foi aí que Bené deu voz de prisão ao velho meliante e o encaminhou para o interior da surrada rural. Não antes de tomar-lhe, bruscamente, o charuto e o apagar com o coturno. “Era só o que faltava, um véio folgado desse, querer fumar, um charuto fedido desses, dentro da rural!... O senhor não tem vergonha, não? Um véio na sua idade, que podia ser meu avô..., vim pru brega, beber e beber..., e depois num querer pagar? Véi fulêro!” – falava indignado, o eficiente meganha.
Ao chegarem à Delegacia o delegado Mário Cabral, um Coronel aposentado, saudou com grande alegria àquele cidadão que ali adentrava: “Meu mestre, meu Comendador!..., a que devemos esta honrosa visita?” O homem não respondeu. Só disse: “quem sabe é esse soldado!” – apontando para Bené. “É o que, soldado! Que estória é essa?” - perguntou o surpreso Coronel. “Delegado, esse Elemento tava no beréu; bebeu, comeu e não pagou; aí..., nós truçemo ele preso.” – respondeu, gaguejando, o recente militar.
O Delegado trêmulo, pois estava mortificado de vergonha e de raiva, determinou: “vá deixá-lo no mesmo lugar onde ele estava; com as nossas desculpas.” “E a conta?” – perguntou o inocente recruta. “Diga ao David que o Comendador pode beber o que ele quiser; e pode botar na minha conta. Amanhã eu posso por lá para pagar. Vai!” – tangeu o delegado.
Ao retornarem ao Quartel de Policia, o Oficial de dia observou que o soldado Benevaldo apresentava sinais de embriaguez, tombando e com um forte hálito de bebida alcoólica. “Êi, soldado! qui parada é essa? Tá Bebo?” – inquiriu com rispidez, o zeloso Oficial. Mesmo com o detalhado relato feito por Bené, inclusive citando que ao retornarem à boate com o comendador, este, o convidou, praticamente forçando-o, a beber várias doses de conhaque de alcatrão e, portanto achava-se isento de qualquer culpa, coisa e loisa, etc., etc., etc.
“Era só e que faltava mesmo! Um mocorongo como você, que não faz nem um mês que “sentou praça”, já chegar para um seu superior, “chêi de mé” e com uma conversar fiada dessas!... Recolha-se ao alojamento, Seu porquêra! Aparece cada uma hoje em dia!...” – vociferou lívido de raiva, o exigente Oficial. O inocente Bené, que na sua estréia quis prender um Comendador, terminou sendo punido com uma semana de detimento – confinado ao alojamento dos Praças.
Para um melhor esclarecimento, o supracitado Comendador não era outro senão: o advogado, o etnólogo, o escritor, o jornalista e acadêmico Luiz da Câmara Cascudo; figura impar da nossa cidade, e, por demais, venerada no nosso País e no Mundo. Mestre Cascudo, com era mais conhecido, era um homem muito íntegro e muito ligado à família – Um homem honrado. Entretanto, como acontece com todo intelectual e boêmio, três dias a cada mês ele reservava para visitar alguns amigos, trocando com eles uns tostõezinhos de prosa; para descer aos recantos saudosistas da cidade que amava; e, por fim, para fazer umas visitinhas às primas do baixo meretrício... Assim era esse homem e assim era a sua terra...
Azar de Bené, que não o conhecia!

Natal-RN, 11/Jun./2009 - Gibson Azevedo da Costa

3 comentários:

Poeta do Penedo disse...

Por vezes, o zelo não compensa.
Pobre Bené, triste sina a tua!

Muito humorística a sua crónica, relatando fidedignamente a pobre realidade de uma certa classe, que sem direito ao direito, apenas tem por direito o dever.

Jania Souza disse...

Eis-me aqui, Gibson, visitando você. Gostei muito do conteúdo do seu blogger. Sua caneta além de excelente é bastante agradável. Voltarei a visitá-lo. Um abraço dessa admiradaora;

Gibson Azevedo disse...

Agradeço, amiga Jania, sua simpática visita. Espero que isto se torne um hábito.
Abraços deste amigo

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...