Recebi, via blog
bardefereiriha, o convite do poeta e confrade Jesus de Rita de Miúdo, seridoense
da cidade do Acari, bom sujeito e bom de rima, no qual solicitava a minha
ajuda para concluir uma estória por ele começada e esticada nos meandros da
literatura de cordel. Trata-se de mesuras e louvações, feitas à
fama de valente de um “cabôco” encapetado conhecido por nome de Belarmino, que,
entre uma bravata e outra, detalhava as peripércias da brabeza de citado
falastrão, que por estas, e por ser seridoense, deve ser parente próximo
de Ojuara, personagem do escritor Nei Leandro de Castro.
Atendi ao apelo de Jesus e, com muito gosto, conclui as referências feitas ao
valente Belarmino, procurando botar os pingos nos is, acompanhando
irmanado e de forma escorreita aos dotes da verdade, até ao fim desta poética
empreitada.
Observem:
Cordel pra Gibson
Azevedo continuar
Mais uma de Jesus de Miúdo, poeta
acariense, devoto de Da Guia, blogueiro e leitor deste Bar.
Detalhe: depois da inspiração,
Miúdo cutucou o cão com vara curta.
E desafiou Gibson
Azevedo a continuar a peleja.
Confiram:
“A deixa foi a seguinte, Roberto: outro dia imaginaram um cabra
valente, um tal de Belarmino, que estava numa festa rodeado de amigos e muita
rapariga. Isso tudo no cordel. Aí, um desses seus queridos era
surdo-mudo. Então uns cabras metidos a valentes chegaram pra arrumar
confusão. Um dele escorou o pobre do surdo-mudo na ponta de uma peixeira.Nisso
o poeta me perguntou: “Jesus, continua a festa para nós? Agora tem que meter o
diabo pelo meio, senão não é cordel.”
E eu lá sou de correr da raia? Então...
Façanhas de Belarmino
( ato I).
 |
"O Cramunhão uma das vítimas de Belarmino." |
Belarmino sem besteira
Do mudo tomou as
dores
Pulou na frente da
arma
Dizendo
"Atenção senhores,
Isso até parece
karma,
Mas peixeira não
me alarma
Não me venham com
clamores".
Com os membros
superiores
Deu tapa, murro e
puxão
Pegou o cabra no
meio
Jogou o pobre no
chão
E sem nenhum
aperreio
Sendo mestre em
manuseio
Amarrou-lhe de
cinturão.
Lhe chamou a
atenção
Um cabra forte e
careca
Que se levantou
dum pulo
E agarrou-lhe a
munheca
"- Belarmino
não engulo,
Boa briga, não
simulo.
Vou deixá-lo é de
cueca".
Belarmino bem
sapeca
Deu um passo para
trás
Soltou-se do cabra
forte
Chamando-lhe de
satanás
"- Você
perdeu foi a sorte,
Inda hoje encontra
a morte
E não briga nunca
mais."
Nesse instante,
aliás
Deu no cabra uma
rasteira
O sujeito voou
alto
Caiu sobre uma
cadeira
Belarmino noutro
salto
Jogou-lhe fora, no
asfalto,
Nosso herói é
capoeira.
Escutou uma zoeira
Virou-se pra ver
quem era
Um galego da voz
rouca
E da cara amarela
"- Comigo a
conversa é pouca,
Dar-lhe-ei uma
surra louca,
Eu hoje 'tou uma
fera!"
Belarmino sem
espera
Deu-lhe um soco na
barriga
Rodou a perna
direita
Encaixou-lhe na
bexiga
E sem nenhuma
canseira
Porém da mesma
maneira
Jogou-lhe fora da
briga.
Foi assim nessa
cantiga
Que um caboclo
entrou
Na roda que se
formara
"- Berlamino,
me chamou?
Vou dar nessa sua
cara,
pois 'tou feito
uma arara,
Uma surra hoje lhe
dou."
"- Ainda não
apanhou?"
Lhe perguntou
Belarmino
"- Encontrou
o homem certo.
Corra aqui, não
sou menino
Venha cá, chegue
pra perto”.
E num único golpe
certo
Pôs no chão o tal cretino.
E assim foi o
destino
De quarenta e
cinco ou mais
Que ousaram na
valentia
Desafiar o rapaz
Porém, o tempo
perdia
Quem entrava na
arrelia
Só apanhava
demais!
Foi quando lá por
detrás
Ouviu um tiro
assombroso
Na terra abriu um
buraco
Saiu dele um
horroroso
"- Belarmino,
seu macaco,
Vou arrancar-lhe o
saco,
Saiba que sou o
Tinhoso."
Belarmino, que é
manhoso
Fez logo o sinal
da cruz
Deu dois passos
para a frente
Disse: "-
Valhei-me, meu bom Jesus!
Vou pegar esse
doente,
Arrancar dente por
dente,
E ao Pai vou fazer
jus."
E na rapidez da
luz
Belarmino sem tabu
Como arranjou, eu
não sei
Uma vara de bambu
E feito um cetro
de rei
Sem importar-se
com a lei
Meteu-lhe a vara
no cu!
"- Socorro,
pai Belzebu!"
Gritou com a dor o
diabo
Com a língua toda
pra fora
E com a vara toda
no rabo
Belarmino nessa
hora
Deu-lhe um soco,
sem demora
Os dentes foram a
cabo.
"- Tinhoso,
tu não é brabo?
Quero ver escapar
desta
Tome um chute no
focinho
Pegue um tapa em
tua testa
Vai-te embora de
mansinho,
Nunca mais volte,
corninho,
Pr'atrapalhar
minha festa."
Aqui entrego para Gibson Azevedo complementar a
estória.
Jesus de Rita de Miúdo - poeta.
Façanhas de belarmino(ato II).
 |
A mulher de belarmino na espreita, esperando-o |
Belarmino era assim mesmo...
Era um siri numa lata,
Gostava de valentia,
De briga estava à cata.
Se há brabo neste mundo,
Ali mesmo, num segundo,
Ele empurra e desacata.
“Chegue perto se for homem”
“ Prêu”rasgar seu ás-de-copa”
“Você metido a parrudo”
“Hoje um macho você topa”
“Surro-lhe o lombo e a pança”
“Acabo com a “embuança”
“E dou fim a sua tropa”
“Bato bem em cabra grande”
“Que a queda é bem maior”
“Quando eu mando um recado”
“Eu já escolho o menor”
“Se aviso uma rapariga”
“Que com ela eu quero briga”
“Um nanico é o portador”
“Agora, pra trocar tapa,”
“Brigar de faca peixeira”,
“Não escolho dia, não!”
“Do domingo à sexta-feira,”
“Quanto mais for afamado,”
“Eu lhe corto os badalos”
“Que ele vira uma rameira!”
“Se você não acredita”
“Corra dentro e me ataque”...
“Mas se prepare fanchone”,
“Que na briga eu sou um craque.”
“Se empine pra cima de mim,”
“Pra decorar o que é ruim”
“E ver o tamanho do baque!”
É assim que esse valente
Se comporta pela rua,
Mas a estória é diferente...
De tanto medo, ele sua,
Quando vai voltar pra casa,
A valentia defasa,
A brabeza se atenua.
Lembra logo da mulher:
Uma onça, essa sim!
“- Diga logo onde cê tava
Cabra frouxo..., bicho ruim!
Tava contando vantagem
No “mêi” da raparigagem...
Você me paga bichim!...
Só de lembrar dessa cobra,
Zanha e de arma na mão,
Batendo no pé da porta
Com o pau de macarrão,
Belarmino muda o tom,
De branco fica marron,
Fala fino o valentão:
“O que é isso meu amor?”
“Cê num sabe que eu te amo?”
“Meu bem eu sou seu escravo...”
“De meu tesouro lhe chamo.”
“Tendo prato sujo eu lavo...”
“Se precisar varrer, eu varro,”
“Na sua beleza eu mamo...”
“- Vá mamar na sua avó!...”
“Cabra mole e sem
futuro!”
“Até hoje eu não entendo,”
“Como diabo eu aturo,”
“Esse cabra mentiroso,”
“Broxa, velhaco e medroso...,”
“- Ainda lhe capo, eu juro!”
Natal-RN, 16 de julho de 2012.
Gibson Azevedo – poeta.