Acorda parceiro!
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Eliezer, grande vascaíno, começando os "trabalhos". |
Vida nova, vida velha..., sempre nos
surpreendendo... Soube agora! Eliezer já é saudade!... Soube ontem, com
evidente atraso, que um velho e especial companheiro nos deixou na quinta feira
passada, dando-nos a sensação de que ele saiu da vida material, meio à francesa,
assim de fininho, como quem detesta despedidas e os constrangimentos das tristezas
súbitas. No entanto, cala-nos fundo a triste sensação de perda, a certeza da
sua ausência, talvez eterna, do nosso convívio.
Estávamos neste sábado, eu e amigos, na residência da amiga Inah, aqui
no Barro Vermelho, convidados que fomos por aquela anfitriã para participarmos
de uma sensacional feijoada, comida que ela, como poucos, sabe preparar com
todos os predicados de cozimento e sabores. E naquela oportunidade, no
deambular das conversas, estampou-se abrupta a referida realidade fúnebre
relativa ao amigo Eliezer. Ele havia partido... E talvez para superar àquela
tristeza instantânea, inesperada, ficamos a relembrar algumas passagens da sua
vida de boêmio partilhadas no nosso convívio...
Encontrávamo-nos quase sempre no extinto bar do Mário Barbosa, próximo a
sua casa. Ele, um homem sério, militar aposentado da Marinha do Brasil da qual
tinha muito orgulho, gozava dos seus parceiros de vagares, grande admiração e
respeito, qualidade que não o impedia de ser, em certos momentos desta convivência,
um “paisano” muito engraçado. Era um indivíduo bom de copo e melhor ainda de
garfo. Talvez, por isto, padecesse de uma incomoda e descontrolada diabetes.
Não a combatia realmente, preferiu sublimar-se ante a um possível êxito letal.
É provável que assim tenha ocorrido... É possível. O fato é que devido esta enfermidade mal
administrada, ele possuía o habito de cochilar ao meio das conversas com os
amigos. Ressonava alto! Lembro-me da vez que, ele apertando a minha mão e afiançando
com francas palavras a grande amizade que nos unia, pegou no sono ensaiando um
forte ronco, momento no qual perdi a paciência e bradei: - Acorda cara! Ôôôô...
Sono fela da pu..! Há quem afirme também, que um tombo que ele sofreu ao pé do
balcão daquela taverna, foi resultado de um raro momento no qual ele adormeceu
em pé, conversando com os companheiros.
Certa
feita, estava a bebericar no boteco Caixa de Fósforos, no centro da cidade,
quando encontrou-se com o amigo e
empresário do ramo de óticas José Neto, momento no qual colocaram alguns
assuntos em dia, vez que, o velho
Eliezer inexplicavelmente esteve ausente por algumas semanas ao bar do Mário. No
final, um natural pedido, já que ambos residiam no mesmo bairro:
-
Netinho, me dê uma carona!
-Vamos
lá, Soneca, pra mim é um prazer! Sabes disto. - Respondeu Zé Neto.
No banco dianteiro daquele veículo, do lado do
passageiro, havia algumas revistas de divulgações de óculos e afins. Ao percebê-las,
Eliezer disse que se Neto não se incomodasse, ele iria no banco traseiro,
evitando desse modo o transtorno de removê-las. Assim foi feito. Todavia, ao
entrar alertou:
- Netinho, se você quiser dá uma passadinha lá
no Mário me deixe logo em casa, pois eu estou com um “preguinho” no bar dele há
mais de um mês...
- Tudo em cima, Soneca! –Tranquilizou Zé Neto.
Ora, foi quase simultâneo, o carro arrancou e Eliezer pegou no sono...
Por
outro lado, Neto esqueceu-se do seu passageiro de última hora e, de forma quase
automática, tomou o rumo do bar do Mário. Estacionou o carro defronte a porta
principal do estabelecimento e, naturalmente, adentrou àquela muvuca. Chegou-se
como de costume ao pé do balcão e, devido ao fraco movimento daquele dia, foi
servido gentilmente pelo proprietário com o qual ficou trocando algumas ideias.
Passados alguns segundos, Mario perguntou:
- Neto,
aquela pessoa que ta dormindo no seu carro é o Seu Eliezer?
- É ele mesmo, Mário. Por quê? – Perguntou Zé Neto fazendo-se de
inocente, como se nada soubesse sobre a dívida.
- Eu vou acordá-lo... Ele ta me devendo e
pode ser que ele tenha vindo me pagar, não é?
- Perguntou o comerciante.
- Pode ser, Mário. – Respondeu com
seriedade, o malandro Zé Neto. Mário foi até o carro e gritou diversas vezes quase
no ouvido de Eliezer:
-
Acorda!... Acorda, Seu Eliezer!... Depois
da terceira chamada ele, ainda sob o efeito da madorra, abriu os olhos e perguntou:
- É Seu Mário?
- É, Seu Eliezer, sou eu. Vamos descer um
pouquinho! Diante da insistência, não havia outro jeito senão o de descer e embromar
umas desculpas, para justificar o atraso no pagamento. Mário ofereceu-lhe uma
cerveja que ele prontamente bebeu e “pindurou”, adicionando-a à velha conta e
retirou-se prometendo solenemente: logo que
saísse o dinheiro da sua aposentadoria, ele viria honrar àquele pequeno débito.
Assim era Eliezer... Dias depois comentou conosco, que quando acordou com Mário
lhe chamando, pensou tratar-se de um pesadelo, assustando-se ao acordar.
Que saudade, amigo!... Agora você pode dormir em paz.
Deus o Tenha!
Natal-RN 08 de junho de 2014.
Gibson Azevedo - poeta.