sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Lembranças de Juju II (o bamba do entrudo)

Nestes dias de carnaval que antecedem à quaresma, brindo aos caríssimos leitores com mais um mimo das minhas reminiscências. Aqui vai, parte do texto "Lembranças de Juju II":


...Depois destas visões rapidamente intercaladas, de momentos, hoje fugazes, dos anos sessenta, fecha-se o parêntese!...
...Assim vivíamos naqueles anos, com restos de tradições, algumas herdadas, quase na sua totalidade, dos nossos ancestrais ibéricos...
* * *
O nome Jujú, figura daqueles tempos, traz-nos, inapelavelmente, o registro de um cidadão que atendia por este nome; sendo no palmilhar dos seus dias, participante ativo dos movimentos e tradições populares da cidade de Caicó, destacado centro urbano dos sertões Nordestino. Era um sujeito de aspecto Catalão, moreno de basta cabeleira, cabelos negros e ondulados; sobrancelhas grossas guarneciam olhos escuros e miúdos, repuxados e levemente vesgos. Usava óculos com lentes grossas. As maçãs do rosto eram salientes, que junto a um bigode aparado, em fino, por cima de uma boca grande, davam forma a profundos sulcos naso-labiais. Tal face se completava com: alguma falha dentaria e, um mento encorpado frente à uma reforçada mandíbula. Tinha uma estatura mediana e um tronco relativamente fornido.

Assim sendo, como uma fênix retorna à vida, volta-nos à lembrança o seu aspecto fisionômico. Consta-nos que, este popular ganhava a vida com uma marcenaria rudimentar e amadora; como também amador era o seu segundo ofício: tocar trombone; se é que assim podíamos nominar àquela bem intencionada algazarra sonora. O seu instrumento musical era um artefato cansado pelo excessivo uso e pelo tempo; em quase tudo parecia com um doente terminal: era muito oxidado e, aqui e acolá portava um remendo de esparadrapo. Daí, em parte, o motivo da sua pouca sonoridade; na verdade já devia está inativo há algum tempo, assim preservando a boa figura de um dos "reis dos metais". Ficando na tutela de Jujú trabalharia até desintegrar-se; não tinha outro jeito. Jujú adorava tocar trombone..., não tinha, entretanto, o gabarito - talvez por não conhecer teoria musical - de formar na Furiosa - alcunha carinhosa da Banda de Música Recreio Caicoense. Suas atividades resumiam-se a animar periféricas gafieiras, alguns comícios de candidatos pobres, temporadas em pequenos circos e, verdadeiras maratonas no período do carnaval. O reinado de momo era um período de “vacas gordas” para músicos de pouco talento, como aquele humilde - notadamente bastardo - filho da pauta.

Jujú e seus pares, em companhia de animada trupe de Papangus, abriam o carnaval de rua acordando a cidade na madrugada do Domingo momêsco, ao som de uma meia dúzia de antiqüíssimas e consagradas marchinhas, num animado Zé Pereira. Eram, naqueles momentos, os arautos da alegria!... E aí vinham com: "mamãe eu quero"; "sapo não lava o pé"; "garota bossa nova"; "ô jardineira"; "doido também apanha"; "touradas em Madri"; "vassourinhas", etc., etc., etc. Nas tardes daqueles dias, aquele alegre senhor participava da charanga que puxava alguns blocos de sujo, como: o Ala Ursa, organizado pelo popular Genival Maleiro, que era carinhosamente chamado de: Bloco do Lixo!

Terminava, é preciso dizer, naqueles dias de entrudo, por animar às noitadas de alguma boate da zona do baixo meretrício, alegrando, certamente, aos freqüentadores contumazes daqueles antros.

Bons tempos, aqueles...; hoje, infelizmente, apenas fugazes lembranças!...


Natal-RN, 20 de fevereiro de 2002.
Gibson Azevedo - poeta

2 comentários:

Poeta do Penedo disse...

Caro Gibson
São uma delícia estas suas crónicas, nas quais nos vai presenteando com um passado rico de figuras típicas da sua cidade, com costumes antigos do seu povo.
Portugal está a descaracterizar-se, principalmente nas regiões litorais, onde o avanço do progresso e, por conseguinte (alto preço o do progresso) o afastamento das tradições portuguesas. E no carnaval isso é bem notório. Há 30 anos festejamos um carnaval de forma simples e muito brincalhona, ao sabor da imaginação de cada um. Mas depois de importámos os vossos corsos, Portugal tenta ser, no carnaval, um Brasil em ponto pequeno. Por cá andam as xarangas carnavalescas com sabor brasileiro, muitas delas fundadas por emigrantes brasileiros, que emprestam muito ritmo ás nossas ruas. Mas despovoámo-nos do que é nosso por tradição...excepto no Nordeste Transmontano, valha-o Deus, onde subsiste a garbosa tradição dos caretos multicolores, duendes que por esta altura saem aos povoados, com guisos encrustrados no vestuário, «infernizando» a vida à rapaziada.
Tiro o meu chapéu a essas doces personagens, que nas suas crónicas vai enunciando, que no seu doce e simples anónimato, transmitiram cor à cidade, que deixaram saudade no coração de um conterrâneo.
Com um grande abraço português, num tempo em que em Ovar, Mealhada, Torres Vedras, Portimão e Olhão, o carnaval português se mascara de brasileiro.

Gibson Azevedo disse...

Caro Fareleira Gomes, sou entusiasta do progresso, das novas descobertas advindas do suado conhecimento humano. Entretanto, por possuir uma memória previlegiada, tenho surtos de alcançar com nitidez algumas aventuras vividas em um passado, no qual já se contam cinco décadas. Relembro-as com um profundo carinho; na ciência que tenho da impossibilidade de voltar o tempo. Acho que por isto gozo de alguma aceitação. Gostaria, todavia, de enfatizar que só abomino as novidades que nos alienam e nos mutilam. Nada mais. Adoro carnaval mas, hoje, com uma pontinha de saudade, recordo as figuras e os folguedos que os meus olhos de menino, naqueles dias, testemunharam.
Nestes dias de quaresma, fique com um sincero abraço deste amigo Brasileiro.

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