domingo, 12 de fevereiro de 2012

Os tempos mudam.

Os tempos mudam                       

Eita que certos dias só servem para nos jogar novamente no passado! Surpreendemo-nos ao revermos, involuntariamente, com riqueza de detalhes, algumas situações que julgávamos esquecidas, algumas reminiscências a muito sepultadas. Como isto acontece? Serão efeitos da velhice que se avizinha? A verdade é que vemos fatos ora pertencentes ao passado com uma nitidez impressionante, muito embora se nos apresentem como imagens amarelecidas, própria das coisas vividas em pretérito, e  que mesmo assim com nitidade se nos estampam. À maioria, se não a totalidade dos personagens, já habitam em outra ambiência, mas eis que teimam em manterem-se vivos na memória dos sobreviventes daqueles tempos. 
Jardim do Seridó - imagem antiga.
Lembro com saudade do lugarejo da minha infância, das suas datas festivas, dos feriados religiosos, dos seus alegres recreios, e também dos seus intervalos de luto. Fomos criados e educados sob a égide do cristianismo e, evidente, nas exigências desta mesma forma de visão espiritual, à época mais severa e poderosa que nos últimos anos. Celebrávamos o Natal muito mais pelo apelo religioso, do que, como hoje, uma festa de congraçamento ou mesmo uma farra do comércio e da indústria. Partilhávamos das festas profanas do entrudo, hábito da humanidade que antecede ao próprio cristianismo. Observávamos os dias santos, principalmente os dos santos padroeiros – coisas que aprendíamos nas aulas de catecismo. Estas lembranças são detalhes miúdos que não nos deixam. É possível que nos deixem quando morrermos? Quem sabe!...
Visão do espaço urbano de minha terra - foto antiga.
Destas efemérides – as cívicas, sociais e religiosas, que naquele lugarejo confundiam-se – a que mais me era cara, era Semana Santa. Ocasião na qual celebrávamos a paixão e morte do nosso senhor Jesus Cristo. Essa comemoração ganhava das outras, em importância, facilmente. Eram dias de muitas rezas, muitos jejuns e muitas penitências... Evitava-se pecar... Devido a proibição de comer carne naqueles dias, os guisado e refogados de peixes, as moquecas de bacalhau com seus cheiros e sabores característicos consistiam, a rigor, a base da nossa alimentação; ao som  das periódicas batidas das matracas convidando aos fiéis para as sagradas orações na Igreja Matriz, que àqueles dias tinham, em sinal de luto, os seus sinos silenciados e suas sagradas imagens cobertas com panos de seda roxa. Eram celebrações rezadas em latim e de forma cantadas... Todos os habitantes daquela pequena urbe se envolviam sobremaneira com aqueles rituais milenares.
Facilmente recordamos alguns fatos, por vezes bizarros, ocorridos na vida, na história das gentes que ali habitavam.  Aconteceu em uma sexta-feira santa, das muitas havidas no século passado – século XX -, em um dia abafado de céu aberto na abóbada  luminosa dos céus nordestinos, na matriz de N. S. da Conceição, em Jardim do Seridó, local onde vários homens faziam a guarda do Senhor Morto. Naquelas ocasiões, os homens trajavam uma meia capa fornecida pela casa paroquial e portavam uns bastões - cajados -  sobre os quais queimavam velas, constantemente. Ali, naquelas horas, rezava-se muito e em voz alta. Todos concentrados, de cenhos fechados, meio a uma temperatura que contribuía para manter abafado àquele ambiente de preces e de cânticos.                                                                                                                         
Estavam entre os presentes, dois homens conhecidos e respeitados, pois ambos representavam famílias tradicionais daquele pequeno lugarejo: o Sr. Jesuíno Azevedo – homem muito alto, de mais de 2 metros de altura – muito religioso e honrado, e o Seu Amaro, decano também respeitado, mas que tinha como característica ser possuidor de uma incorrigível tendência à flatulência. Peidava fácil e sem a menor cerimônia... Pois bem, em determinado momento daquele citado rito religioso, o Seu Amaro aliviou uma sorrateira bufinha que subiu, por coincidência, em linha direta até as narinas do Sr. Jesuíno, que, na ausência do necessário oxigênio, despencou das alturas dos seus dois metros e cinco, gerando um alvoroço dalgumas pessoas que residiam nas proximidades, que perceberam a necessidade de prestarem socorro imediato àquele gigante, abatido por uma arma  muito mais rude do que a que foi usada pelo herói bíblico, o Rei David. Ou seja: a bufa do Seu amaro. Aquele inusitado gerou várias rimas – folhetos - fruto de poetas populares amigos. O Sr. Luiz de França, meu tio avô, encheu um calhamaço de versos, nos quais usou sempre o  mesmo mote: “A bufa do Seu Amaro, quase mata Jesuíno”.
Em homenagem a aqueles irmãozinhos do passado, ousei também rimar a reboque dos fatos daqueles tempos...

Mote:
A bufa de Seu Amaro
 Quase mata Jesuíno
Glosa:
Foi uma agressão ao faro,
Um corte no oxigênio,
Fato raro no milênio:
 - A bufa de Seu Amaro.
 Deu-se num momento claro...
 De ora
ções e de hino:
Eis que o mormaço assassino,
Daquela sola homicida,
 - Torpedo “gigantecida” -,
 Quase mata Jesuíno!
 

Natal-RN,  12 /fev./ 2001.
             Gibson Azevedo - poeta.

2 comentários:

Gilvandro Alves disse...

Olá primo!
Dizem que devemos viver o presente com intensidade, pois o passado não volta e o futuro a Deus pertence. Mas, também há outro ditado que diz que quem não tem passado não tem futuro.
Gostei das suas lembranças na nossa pacata Jardim do Seridó e também do caso ocorrido com Jesuino.
Também gosto de reviver bons momentos vividos no passado, principalmente através da boa música.
Continue escrevendo, pois faz bem à mente e à saúde.

Gibson Azevedo disse...

Pois bem, primo Gilvandro! Que bom que você também gosta deste tipo de leitura. Como justificativa, posso dizer que os meus escritos tratam de coisas, vividas por mim ou por pessoas, que me são ou foram, muito ligadas por laços de parentesco ou amizade.
Continue prestigiando este humilde blog. Dar-me-á sempre muito prazer.
Abraço deste seu amigo.
Gibson Azevedo.

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