terça-feira, 17 de julho de 2012

Façanhas de Belarmino.

              

               Recebi, via blog bardefereiriha, o convite do poeta e confrade Jesus de Rita de Miúdo, seridoense da cidade do Acari,  bom sujeito e bom de rima, no qual solicitava a minha ajuda para concluir uma estória por ele começada e esticada nos meandros da literatura de cordel. Trata-se  de mesuras e  louvações, feitas à fama de valente de um “cabôco” encapetado conhecido por nome de Belarmino, que, entre uma bravata e outra, detalhava as peripércias da brabeza de citado falastrão, que por estas,  e por ser seridoense, deve ser parente próximo de Ojuara, personagem do escritor Nei Leandro de Castro.

                Atendi ao apelo de Jesus e, com muito gosto, conclui as referências feitas ao valente Belarmino,  procurando botar os pingos nos is, acompanhando irmanado e de forma escorreita aos dotes da verdade, até ao fim desta poética empreitada.
Observem:
                                Cordel pra Gibson Azevedo continuar

              Mais uma de Jesus de Miúdo, poeta acariense, devoto de Da Guia, blogueiro e leitor deste Bar.
              Detalhe: depois da inspiração, Miúdo cutucou o cão com vara curta.
E desafiou Gibson Azevedo a continuar a peleja.
              Confiram:

A deixa foi a seguinte, Roberto: outro dia imaginaram um cabra valente, um tal de Belarmino, que estava numa festa rodeado de amigos e muita rapariga. Isso tudo no cordel. Aí, um desses seus queridos era surdo-mudo. Então uns cabras metidos a valentes chegaram pra arrumar confusão. Um dele escorou o pobre do surdo-mudo na ponta de uma peixeira.Nisso o poeta me perguntou: “Jesus, continua a festa para nós? Agora tem que meter o diabo pelo meio, senão não é cordel.”
E eu lá sou de correr da raia? Então... 

Façanhas de Belarmino ( ato I).
"O Cramunhão uma das vítimas de Belarmino."

 Belarmino sem besteira
Do mudo tomou as dores
Pulou na frente da arma
Dizendo "Atenção senhores,
Isso até parece karma,
Mas peixeira não me alarma
Não me venham com clamores".

Com os membros superiores
Deu tapa, murro e puxão
Pegou o cabra no meio
Jogou o pobre no chão
E sem nenhum aperreio
Sendo mestre em manuseio
Amarrou-lhe de cinturão.

Lhe chamou a atenção
Um cabra forte e careca
Que se levantou dum pulo
E agarrou-lhe a munheca
"- Belarmino não engulo,
Boa briga, não simulo.
Vou deixá-lo é de cueca".

Belarmino bem sapeca
Deu um passo para trás
Soltou-se do cabra forte
Chamando-lhe de satanás
"- Você perdeu foi a sorte,
Inda hoje encontra a morte
E não briga nunca mais."

Nesse instante, aliás
Deu no cabra uma rasteira
O sujeito voou alto
Caiu sobre uma cadeira
Belarmino noutro salto
Jogou-lhe fora, no asfalto,
Nosso herói é capoeira.

Escutou uma zoeira
Virou-se pra ver quem era
Um galego da voz rouca
E da cara amarela
"- Comigo a conversa é pouca,
Dar-lhe-ei uma surra louca,
Eu hoje 'tou uma fera!"

Belarmino sem espera
Deu-lhe um soco na barriga
Rodou a perna direita
Encaixou-lhe na bexiga
E sem nenhuma canseira
Porém da mesma maneira
Jogou-lhe fora da briga.

Foi assim nessa cantiga
Que um caboclo entrou
Na roda que se formara
"- Berlamino, me chamou?
Vou dar nessa sua cara,
pois 'tou feito uma arara,
Uma surra hoje lhe dou."

"- Ainda não apanhou?"
Lhe perguntou Belarmino
"- Encontrou o homem certo.
Corra aqui, não sou menino
Venha cá, chegue pra perto”.
E num único golpe certo
Pôs no chão o tal cretino.

E assim foi o destino
De quarenta e cinco ou mais
Que ousaram na valentia
Desafiar o rapaz
Porém, o tempo perdia
Quem entrava na arrelia
Só apanhava demais!

Foi quando lá por detrás
Ouviu um tiro assombroso
Na terra abriu um buraco
Saiu dele um horroroso
"- Belarmino, seu macaco,
Vou arrancar-lhe o saco,
Saiba que sou o Tinhoso."

Belarmino, que é manhoso
Fez logo o sinal da cruz
Deu dois passos para a frente
Disse: "- Valhei-me, meu bom Jesus!
Vou pegar esse doente,
Arrancar dente por dente,
E ao Pai vou fazer jus."

E na rapidez da luz
Belarmino sem tabu
Como arranjou, eu não sei
Uma vara de bambu
E feito um cetro de rei
Sem importar-se com a lei
Meteu-lhe a vara no cu!

"- Socorro, pai Belzebu!"
Gritou com a dor o diabo
Com a língua toda pra fora
E com a vara toda no rabo
Belarmino nessa hora
Deu-lhe um soco, sem demora
Os dentes foram a cabo.

"- Tinhoso, tu não é brabo?
Quero ver escapar desta
Tome um chute no focinho
Pegue um tapa em tua testa
Vai-te embora de mansinho,
Nunca mais volte, corninho,
Pr'atrapalhar minha festa." 


Aqui entrego para Gibson Azevedo complementar a estória.

                                         Jesus de Rita de Miúdo  - poeta.

Façanhas de belarmino(ato II).
A mulher de belarmino na espreita, esperando-o

Belarmino era assim mesmo...
Era um siri numa lata,
Gostava de valentia,
De briga estava à cata.
Se há brabo neste mundo,
Ali mesmo, num segundo,
Ele empurra e desacata.

“Chegue perto se for homem”
“ Prêu”rasgar seu ás-de-copa”
“Você metido a parrudo”
“Hoje um macho você topa”
“Surro-lhe o lombo e a pança”
“Acabo com a “embuança”
“E dou fim a sua tropa”

“Bato bem em cabra grande”
“Que a queda é bem maior”
“Quando eu mando um recado”
“Eu já escolho o menor”
“Se aviso uma rapariga”
“Que com ela eu quero briga”
“Um nanico é o portador”

“Agora, pra trocar tapa,”
“Brigar de faca peixeira”,
“Não escolho dia, não!”
“Do domingo à sexta-feira,”
“Quanto mais for afamado,”
“Eu lhe corto os badalos”
“Que ele vira uma rameira!”

“Se você não acredita”
“Corra dentro e me ataque”...
“Mas se prepare fanchone”,
“Que na briga eu sou um craque.”
“Se empine pra cima de mim,”
“Pra decorar o que é ruim”
“E ver o tamanho do baque!”

É assim que esse valente
Se comporta pela rua,
Mas a estória é diferente...
De tanto medo, ele sua,
Quando vai voltar pra casa,
A valentia defasa,
A brabeza se atenua.

Lembra logo da mulher:
Uma onça, essa sim!
“- Diga logo onde cê tava
Cabra frouxo..., bicho ruim!
Tava contando vantagem
No “mêi” da raparigagem...
Você me paga bichim!...

Só de lembrar dessa cobra,
Zanha e de arma na mão,
Batendo no pé da porta
Com o pau de macarrão,
Belarmino muda o tom,
De branco fica marron,
Fala fino o valentão:


“O que é isso meu amor?”
“Cê num sabe que eu te amo?”
“Meu bem eu sou seu escravo...”
“De meu tesouro lhe chamo.”
“Tendo prato sujo eu lavo...”
“Se precisar varrer, eu varro,”
“Na sua beleza eu mamo...”

“- Vá mamar na sua avó!...”
“Cabra mole e sem futuro!”
“Até hoje eu não entendo,”
“Como diabo eu aturo,”
“Esse cabra mentiroso,”
“Broxa, velhaco e medroso...,”
“- Ainda lhe capo, eu juro!”


                Natal-RN, 16 de julho de 2012.
                    Gibson Azevedo – poeta.



2 comentários:

poeta do penedo disse...

Belarmino, um duro osso de roer.
Estes poemas têm um ritmo alto. Obrigam-me a ler os versos depressa, porque têm acção. E, curiosamente, ao lê-los, tive a sensação de que estava a ler Gil Vicente.
Meu caro Gibson, um forte abraço lusitano, deste seu amigo.

Gibson Azevedo disse...

Tudo é válido na fantástica viagem literária, quando garimpamos nos pequenos regatos cultural do nosso povo. Uma maravilha!
Um abraço brasileiro deste seu amigo.

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