terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Tête-à-tête com Jesus.


Tête-à-tête com Jesus

Nestes tempos pós instalação do cristianismo como provimento de fé a acalentar o lado espiritual dos seres humanos, principalmente os do mundo ocidental, desde aqueles dias que esta crença de fundamentos hebraicos engatinhava no mundo romano, quando aquele formidável colosso dava-nos os primeiros sinais de fraqueza e que culminariam em sua ruína, temos vivido dias de impressionantes episódios relacionados a este bálsamo espiritual, chegado a nós ha mais de dois mil anos. Antes, no princípio, o Cristianismo não passava de muitas e variadas seitas com seus dogmas e fundamentos, os mais estapafúrdios e antagônicos entre si. Foi preciso que Constantino I, ao assumir o trono daquele vasto império, observasse os erros cometidos pelos seus antecessores, que perseguiram ao extremo os cristãos dos primeiros tempos, sentenciando-os a morrerem devorados por feras africanas, nas arenas, antro de diversões dos cidadãos de Roma, e resolvesse o problema normatizando a nova crença de acordo com as conveniências do império, adotando-a como religião oficial a partir de então. Adotou o evangelho de uns poucos evangelistas; baniu, convenientemente, outros que não lhes interessava e tocou, desta maneira, o pesado mastodonte imperial; agora azeitada - as suas engrenagens - com este novo lubrificante e conceito espiritual. Esta foi, convenhamos, uma jogada de mestre! Graças a ela, o Império Romano conseguiu sobreviver mais alguns séculos até a sua ruína final.

Aquele ajuntamento de seitas dos primórdios do cristianismo, graças àquela atitude ordenadora e legalizadora do Imperador Constantino, tornou-se uma igreja organizada e poderosa, que chegou pujante até nossos dias... Naquele concílio – o de Niceia -, convocado por Constantino, procurou-se dirimir as dúvidas se Jesus era Deus ou se era somente um homem que fora injustamente supliciado. Esta dúvida, no entanto, parece nos acompanhar à revelia da nossa vontade. Senão vejamos:

Contou-me certa vez o sertanejo e amigo Válber Tôrres, filho da cidade de Timbaúba dos Batistas, que um seu conterrâneo e decano daquela cidade, respeitável chefe de família, patriarca de uma prole considerável, já contava, à época, com a idade de oitenta anos bem vividos, padecia, infelizmente, de enormes desconfortos provenientes de um câncer de próstata, que judiava dele havia alguns anos... Todos sabiam tratar-se dos aperreios da fase terminal da citada doença. O que se há de fazer? Perguntavam-se, os parentes mais próximos, sentindo-se impotentes. O Seu Mané Filon padeceria os horrores do triste fim que se avizinhava. Não havia outro jeito..., coisas da vida.

Pois bem, no meio daquele sofrimento apareceu um compadre que argumentou, junto aos filhos mais velhos do doente, da necessidade de consultar, no Recife, a opinião de um especialista no assunto.

Até para “disincargo de consciência”, eu acho que vocês deviam fazer esta última tentativa. – Falou com franqueza o velho amigo.

Não custa muita coisa, não! - Argumentou o compadre Xandão. Isso é para que vocês “num se sintam” culpados de desleixo. “Tão uvindo?”

Diante de argumentos tão fortes, de intensos chamamentos à responsabilidade, a família decidiu segui o conselho do compadre, quase irmão, de Seu Mané. E para lá se foram em comitiva: o velho, sua esposa já idosa, e um casal de filhos. Ficaram hospedados na casa de amigos, também seridoenses. Marcou-se a consulta.

Na data e hora aprazada, encontrava-se Seu Mané Filon na sala de espera do consultório de um famoso oncologista, especialista em casos de urologia, reclamando muito e, gemendo à vontade, devidos as dores que aquele tumor causava, pois que comprimia as inervações das estruturas anatômicas vizinhas. Dona Mariquinha, tentando acalmá-lo, dizia:

Tenha calma meu Velho, que o doutor já vai lhe atender... E o Velho: ai.., aaai..., aiaiaii!.... Gemeu até entrar na sala de exame clínico.

O médico, Dr. Jordão, um homem pequeno, ainda muito jovem, que abraçara desde cedo como o único objetivo na sua vida– ainda curta -, o ofício de estudar, tinha pouca experiência na arte de viver. Era, contudo, um católico fervoroso – herança de família. Verificou a pressão do paciente, o pulso, a temperatura – conduta de praxe -; leu com cuidado os exames anteriores, requeridos por médicos que o precederam; os medicamentos que o mesmo já havia tomado etc., etc., etc. Passou para o exame clínico propriamente dito, inspecionando tudo e auscultando-o quando achava necessário. Apalpou algumas partes e ante a gemedeira que não cessava nunca, perguntou:

Seu Manuel, aqui também dói? - O velho esbaforido respondeu:

Oi meu fiie, você pode traçá uma braça (medida antiga adotada no Seridó para medir extensões de terras) de redó, qui onde você apaipá, doi!

O Dr. Jordão diante do quadro de péssimo prognóstico do seu vetusto paciente, sensibilizado com as constantes queixas do mesmo, disse, sem disfarçar a emoção:

Seu Manuel! Tenha paciência, homem! Lembre-se que muito mais sofreu Jesus no seu martírio!... Aí, o Velho Mané Filon, indignado, perdeu de vez a compostura e disse, com a voz alta e cantada do povo da sua terra:

Aaaah! Tambéeeem! Ora! Jesus era um homi novo! Qué comparar cum véio dequedente cuma eu?!...

Natal-RN, 28 de Dezembro de 2010.

Gibson Azevedo – poeta.

PS. Os nomes dalgumas pessoas foram alterados para evitar os naturais melindres.

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