segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Para os poetas o tempo é um detalhe



                    Para os poetas o tempo é um detalhe(parte II)

O poeta Ronaldo na idade madura
...Somente a partir da ciência destes acontecimentos, eu entendi o afastamento sem justificativa daquele jovem poeta do programa “ O céu é o lime”, no comecinho da década de setenta. Aqueles verdugos jamais deixariam uma, de suas vítimas, adquirir notoriedade nacional e, talvez, colocar em xeque aquele arremedo de governo que se instalara na nossa nação, à revelia da vontade livre do nosso povo.  (Entretanto, a justiça do acaso se fez sentir, quando aquele ultrajado cidadão foi, anos depois, reconduzido à prefeitura de Campina Grande; depois ao governo do Estado da Paraíba e em seguida tornou-se Senador da República, pelo mesmo Estado. No final de sua vida ele enfrentou algumas adversidades de cunho pessoal que reputo desnecessário comentá-las.)

Para demonstrar o caráter deste homem, companheiro inseparável, imanente da justiça e da liberdade, é justo citar o caso que aconteceu com ele à época  recém-formado em direito, quando alguns rapazes fazendo uma tradicional serenata , muito comuns nos períodos das férias escolares, por volta de mil novecentos e cinquenta e cinco, foram surpreendidos pela polícia militar que os prendeu junto com um violão. Resultado: foram logo liberados, como não podia ser de outro jeito, mas, o criminoso violão ficou preso às garras da justiça nas dependências da cadeia pública. Os rapazes entraram em contato com o Dr. Ronaldo com o intuito de reaver o instrumento musical. Daí foi que surgiu uma famosa petição nos meios jurídicos e poéticos com o título de Habeas Pinho, que transcreverei logo abaixo com muito gosto, como também a decisão judicial feita pelo juiz Roberto Pessoa de Souza, também poeta, que despachou em forma de soneto.
Vejamos:

Senhor Juiz.
Roberto Pessoa de Sousa

O instrumento do “crime”que se arrola
Nesse processo de contravenção
Não é faca, revolver ou pistola,
Simplesmente, Doutor, é um violão.

Um violão, doutor, que em verdade
Não feriu nem matou um cidadão
Feriu, sim, mas a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade
O crime a ele nunca se mistura
Entre ambos inexiste afinidade.

O violão é próprio dos cantores
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam mágoas que povoam a vida
E sufocam as suas próprias dores.

O violão é música e é canção
É sentimento, é vida, é alegria
É pureza e é néctar que extasia
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório.
Mas seu destino, não, se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.

Ele, Doutor, que suave lenitivo
Para a alma da noite em solidão,
Não se adapta, jamais, em um arquivo
Sem gemer sua prima e seu bordão

Mande entregá-lo, pelo amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno acoite
De suas cordas finas e sonoras.

Liberte o violão, Doutor Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado
Derramando nas praças suas dores?

Mande, pois, libertá-lo da agonia
(a consciência assim nos insinua)
Não sufoque o cantar que vem da rua,
Que vem da noite para saudar o dia.

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento
Juntada desta aos autos nós pedimos
E pedimos, enfim, deferimento.


A liberação do instrumento musical:


Recebo a petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.

Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.

Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte á rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.

Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar à porta do Juiz.
              Roberto Pessoa de Souza.
                        João Pessoa – PB.


Natal, 10 de setembro de 2012.
        Gibson Azevedo – poeta.






   

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