terça-feira, 5 de junho de 2012

O voo final do guriatã.


                                                         O voo final do guriatã


Guriatã macho.
                               É para deixar-nos mudos, atônitos, pasmos, ao depararmo-nos com a essência da força das verdadeiras manifestações culturais; mormente, quando se apresentam nas ocasiões mais inesperadas; assim mesmo, como respondendo a um chamamento forte como ao canto das sereias – apelo, ambiguamente, cândido – somos envolvidos por completo naquela magia de arte, como se condenados fôssemos a vivê-las intensamente numa irrevogável sentença.
                             Bem, a poesia é a arte das artes! Fácil é, justificar esta assertiva. O ser humano é o único animal programado pela criação para evoluir dos sons guturais dos tempos imemoriais e, finalmente, a muito custo falar. A palavra é um dom Divino – é prazeroso, nisto, acreditar...
Jaime(o 1º de óculos escuro) num encontro com amigos.
                            Adentrei, como sempre faço todos os dias, à residência dos meus pais, com os quais, humilde e honestamente, devido bons momentos  e uns dedinhos de prosa num impagável repasto matinal, quando deparei-me com um convite para uma missa comemorativa ao trigésimo dia da morte de um grande amigo: o poeta Jaime Filgueira. O convite era endereçado ao meu pai; fato que justifica-se ao relembrarmos que eles mantinham uma fraterna amizade – na qual viviam um sincero e excelente companheirismo – por dezenas de anos. Aquele singelo folheto trazia, intrinsecamente, na estampa e nos caracteres muito da sua inestimável pessoa. Folheto simples sem maiores alardes traduzia, no entanto, a figura impar daquele homem; do poeta que cantou o seu tempo, à sua terra, à sua aldeia. Era simples..., como simples são as cousas boas que se eternizam na memória do povo. Jaime foi uma figueira que frondou e deu sombra e frutos; foi amado – como são os poetas – pelos seus entes e seu povo. Moreno alto, forte, de boa figura; dele emanava dulcíssima sensibilidade sedimentada em pura bondade; trovador contumaz, contudo, sem ter a ânsia de produzir poesia em grande quantidade. Produzia sim, quando boas musas gravitavam benfazejas sobre sua cabeça e, faziam-no transmitir, a nós pobres mortais, sentimentos que julgávamos inexistentes ou esquecidos, e que, profundamente, nos tocam a alma. Nascido em trinta e um de dezembro de mil novecentos e trinta e quatro, filho de família honrada de boa linhagem e numerosa prole, tendo sido educado sob os domínios da fé em Nossa Senhora de Sant’Ana, mãe de Maria e, por adoção, dos sertanejos. Este homem viveu, da sua terra, as tradições; vivendo intensamente suas manifestações culturais, captando, das mais legítimas, o seu verdadeiro espírito, aplicando-o no cotidiano da sua calma existência. Jaime, apesar de ser um homem muito trabalhador, foi um boêmio, todavia sem ser piegas; como todo bom poeta amava o ócio, muito embora, em excesso não o praticasse, pois laboriosa era a sua vida de exemplar chefe de família. Cultivava, com a naturalidade do seu relacionamento, as boas e duradouras amizades – sua maior riqueza, sem dúvida. A cidade de Caicó nada perdeu com este seu filho, nem com sua morte – antevejo. Pois se esta terra cresceu culturalmente com sua lira – em vida – ganhará de certo o culto crescente à sua memória e a sua obra, a partir das exéquias dos seus restos mortais. Isto testemunhará as futuras gerações. Notarão até sua presença física, principalmente se observarem com paciência e cuidado, no alto dos cocares dos coqueirais, o saltitar alegre de alguns guriatãs...
                            Os seus familiares, por ocasião da sua morte – vinte e quatro de fevereiro de dois mil e dois – vivendo irreparável perda, buscaram conforto nas suas poesias e escolheram, acertadamente, uma glosa lírica de raríssimo bom gosto, onde os fortes sentimentos brotam a cada palavra com tanta naturalidade, que impressionam sobremaneira:

                                              Trazendo na fronte os traços
                                              De um sentimento profundo,
                                              No louco circo do mundo,
                                              “Todos nós somos palhaços.”
                                               A rir com estardalhaços
                                               Numa alegria fingida
                                               Nosso porvir é descida,
                                               A esperança irrisão
                                               Em eterna encenação
                                               “No picadeiro da vida!”

                                                      Jaime Paulo Filgueira - Poeta.

                                Procurando não cometer blasfêmias ou heresias, julgo, com muita convicção, que poetas como Victor Hugo, ou mesmo o maior de todos eles, o semideus François Villion, sentir-se-iam, deveras, honrados em assinar uma obra de tamanha beleza.

                                                                   Natal-RN, 26/mar./2002.
                                                                  Gibson Azevedo – poeta.

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