terça-feira, 29 de maio de 2012

Um nada fazer...


                                                                         Um nada fazer...


Havana, hoje.
Era uma terça feira, primeiro de outubro...  Encontrava-me ainda no meu local de trabalho a matar o tempo, excedendo-me em demasia no horário fora do expediente; o que me é muito natural, pois de lá só me retiraria por volta das vinte uma horas e trinta minutos, já tarde da noite, com uma ideia preconcebida de apanhar meu filho mais velho na universidade e retornarmos juntos ao nosso lar. Isto é uma rotina. Assim acontece já há algum tempo, em todos os dias úteis das semanas do período letivo. Não estranho mais..., já estou acostumado.
Naquela noite, porém, por volta das vinte horas, atendo ao telefone que tocava insistentemente. O telefonema era de minha irmã – onze anos mais nova que eu, talvez por isto, por mim, muito amada:
A que ligas, cara mana? – perguntei de cá.
Um favorzinho se puder...  – respondeu ela.
Depois de alguns instantes de conversa, fiquei sabendo do que se tratava. O fato é que, já no avançar das horas daquela noite, sua filha mais velha solicitou sua ajuda na elaboração de um trabalho do colégio; trabalho que deveria ser entregue na manhã seguinte. Este consistia em colher material para uma espécie de jornal – talvez mural – que a turma dela estava organizando dentro das atividades estudantis, própria dos cursos colegiais. Minha irmã percebeu que talvez não fosse a pessoa mais indicada para responder um questionário, num formato de entrevista, sobre um assunto que a mesma não viveu. Lembrou-se, no entanto, que na época dos aludidos fatos eu já contava com sete anos de idade; sendo, portanto, mais indicado para responder àquelas questões. Daí o motivo de ligar-me àquelas horas, sabedora que era do meu hábito de ficar até tarde no meu local de trabalho.
O assunto gravitava em torno de mil novecentos e cinquenta e nove, quando aconteceram alterações profundas no pacato mundo caribenho. Dizia respeito à revolução cubana do fim daquela década.
Parece que parou no tempo (vejam os carros).
Tendo sido pego de surpresa – talvez fosse à intenção -, apelei para os fatos guardados de memória; fragmentos de uma época em que vivi os meus verdes anos. Juntei-os a pedaços de entrevista de autoridades ligadas àqueles eventos que guardei  sem a menor preocupação, mas que ajudaram-me a ter uma ideia critica sobre o tema em foco. Não tive muita dificuldade, como era de se esperar, pois à medida que nos distanciamos de algum fato histórico, cousas que na época dos acontecimentos se nos afiguram de forma obscura, adquirem nuances de nitidez resolúvel, encaminhando-se, naturalmente, na direção das elucidações – para o local onde a verdade reside.
Assim, apressadamente, dei a minha modesta contribuição à singela entrevista – que era motivo de aperreios das minhas queridas, irmã e sobrinha -, a qual, acanhadamente, transcrevo na íntegra:
 Entrevista de um cidadão comum, feita por uma aluna do segundo grau do Colégio das Neves, Natal-RN, sobre os acontecimentos que ditaram o destino da ilha de Cuba – a pérola do Caribe – nos últimos cinquenta anos:
1-pergunta: Você acha que o socialismo foi benéfico para Cuba?
    Resposta: Quem viveu ou teve notícia, ainda quente, dos dias que antecederam a queda do governo do ditador Fulgêncio Baptista, chega e seguinte conclusão: Cuba era uma maravilha insular, ótima para nela fazer-se turismo; boa água, boa música, boa gente... Entretanto, havia forças impopulares corrompendo os alicerces do regime, concentrando a renda nacional na mão de poucos, e multiplicando geometricamente a população de miseráveis. Na realidade, Cuba era um puteiro dos ricos empresários, em férias, dos países capitalistas. Sua população mendigava ou prostituía-se. Não havia outra saída. Isto revoltou os nacionalistas – que eram poucos à época – daquele país de analfabetos. Se a revolução, como sabemos, trouxe algum benefício à educação, à saúde e a alta estima do povo cubano..., já seria mais que suficiente para justificar aquele ato de bravura, acontecido no final dos anos cinquenta.
2-pergunta: O que achou da atuação de Fidel e Guevara?
    Resposta: Fidel Castro era filho de latifundiário; tendo, portanto, tido todas as chances, como um pequeno burguês, de subir e ter sucesso na vida. Ao contrário, já formado em direito, teve a capacidade de indignar-se – e aí reside a sua principal virtude – com as consequências nefandas da manutenção daquele “estado de coisas”. Entregou-se a causa de libertar seu país da rapinagem vigente àqueles dias, sacrificando sua juventude, seus sonhos e planos de adulto jovem, na busca da resolução dos problemas que afligiam ao seu povo. Che era um visionário lutando contra “moinhos de ventos” – sempre revoltos – em terras estrangeiras. Foi a alma da revolução. Até hoje, veneram-no, quase como a um santo, na pérola do Caribe.
3-pergunta: Você conhece algum acontecimento marcante daquele movimento social?
    Resposta: o que posso dizer é que foi uma revolução nos moldes da Revolução Francesa, com a participação efetiva da população; inclusive com a adesão dos militares cubanos depois de determinado momento do embate. Como fato inusitado, cito: o de Che Guevara deslocar-se nos terrenos montanhosos de Sierra Maestra com a ajuda de um burrico, devido o mesmo ser asmático e não poder fazer esforços físicos. Comenta-se também que, Che, que era médico não praticante, numa emergência extraiu um dente de Fidel Castro, sem anestesia; na força da coragem e, talvez, na dúbia ação de alguma dosagem excessiva de rum ingerido com fins terapêuticos.
4- pergunta: Dê alguns pontos positivos da revolução cubana, para Cuba propriamente      dita.
     Resposta: erradicação do analfabetismo; incentivo à ciência com seus benéficos desdobramentos; consolidação de uma saúde pública condigna e respeitada mundo afora; devolveu a alta estima ao povo cubano; segurança; moradia, etc., etc., etc.,...
 5-pergunta: Dê alguns pontos negativos desta mesma revolução.
Em alguns locais vê-se a ação do abandono
    Resposta: para mim o fato que destoa e que talvez comprometa o resultado daquele movimento revolucionário, - colocando à parte o banho de sangue que se seguiu, à instalação ao novo regime, com o intuito de se fazer justiça – foi a falta de tato no encarar das dívidas acumuladas durante os anos de desmantelo; quando acirraram-se os ânimos, chegaram, então, a temerária conclusão de não pagarem a quem deviam. Adotaram, equivocadamente no meu entender, a solução mais simplória: o calote! Nada poderia ser pior! Esta atitude levou aquele país ao descrédito total junto aos organismos  financeiros internacionais, levando suas cidades e vilas ao sucateamento decorrente da falta de dinheiro. Posições políticas, excessivamente ideológicas, trucaram as tênues possibilidades de distensão que viriam a ocorrer com tempo, já que este é o Senhor da Razão. O fato é que mesmo depois do fim da guerra fria, Cuba continua isolada, condenada à letargia e ao abandono; parada no tempo a espera que a acordem deste seu pesado sono...

                                                                    Natal-RN, 01 de outubro de 2002.
                                                                           Gibson Azevedo da Costa

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