segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Crepúsculo dos deuses?



Coloco, humildemente, parte de um texto de minha autoria para a isenta apreciação dos senhores, caríssimos leitores. Almejo tudo! Nenhuma condescendência, no entanto!



Foto comemorativa aos cem anos desta ilustre figura humana(In memoriam).




Crepúsculo dos deuses?


Passaram-se os tempos, momentos..., que não foram poucos. Foram anos bem medidos nas mensurações das existências, marcações indeléveis nos arquivos da memória, aquela que rege o tanger do mundo. E o tempo? Essa medida inventada nos dá uma pálida ideia da nossa insignificância. Vivemos frações ínfimas das temporais grandezas cósmicas, e, mesmo assim, sentimo-nos como tendo vivido um longo período de tempo. Ledo engano! Muito embora, este grosseiro engano, permita-nos a ilusão de termos adquirido alguma experiência, qualidade importantíssima – diríamos vital - no exercício da sobrevivência. Habituamo-nos a admirar na vivência do dia a dia – nós que éramos produto de um Seridó remoto e ignorante – de pessoas oriundas de países inacreditáveis, localizados em lugar incerto, acima da linha do Equador. Assim pensávamos..., éramos crianças... Destes países chegavam notícias através de rádios antigos, aqueles dos incríveis olhos mágicos, que reproduziam as mensagens sonoras e os muitos chiados da energia estática. Aquelas notícias divulgadas por emissoras distantes, eram geralmente captadas pela metade, incompletas, por culpa da fuga do sinal sonoro; o que nos obrigava a um grande exercício de dedução lógica – pouco recomendável – para entendermos “mais ou menos” a mensagem na íntegra. Na realidade, tanto as notícias do rádio quanto as das revistas e jornais, eram assuntos complexos de responsabilidade dos parentes mais velhos: pais tios e avós; o que contribuíam para tornar essas terras ainda mais distantes, fora..., bem fora do nosso mundo. Lá sim, era um mundo de heróis! Assim era divulgado e assim era cultuado. Alguns poucos cidadãos nossos, que tiveram por sorte ou por posses – os da igreja, os herdeiros latifundiários ou os empresários da indústria da seca – a oportunidade de viajar por algum país de sucesso, pós revolução industrial, quando voltavam às suas acanhadas urbes, divulgavam ideias de que nosso país estaria atrasado culturalmente, em relação àquelas potências, em pelo menos uns cem anos. Seria possível um absurdo deste? A princípio, ficávamos lívidos sem acreditarmos que tal coisa pudesse ser verdadeira; no entanto, eram pessoas amantes da verdade – ao menos na aparência -, os arautos daquelas esquisitices. Só podia ser verdade! Não havia outro jeito... Passavam-nos a ideia da existência, alhures, de uma sociedade infalível, onde imperava um implacável código de justiça,e nem as poderosas forças da natureza seriam capazes de vencê-la. Não conhecíamos até então nenhum espécime daquelas badaladas raças de homens fortes.

Mas eis que num dia, na década de cinquenta, apareceu no Hotel Avenida, situado no centro de Caicó, dois sujeitos esquisitos, usando umas ridículas “calças curtas”, portando umas mochilas estranhas; usavam sapatos de manufatura incomum, barbas e cabelos malcuidados, exalando uma morrinha nauseabunda. Provavelmente, por falta de asseio por vários dias. Alem do mais, falavam um idioma estranho, “uma fala" que mais parecia os sons guturais – um ronronar – de uma gata no cio. Este fato, mais que bizarro, já estava “juntando menino”, e também, por curiosidade, alguns populares.

“Chega... Quilon! Avía home, vá lá no Ginásio procurar Monsenhor Walfredo pra vê se ele desata esse nó!” – gritava Dona Oscarlinda, sua esposa. “Parecem dois carros atolados; nem para frente, nem pra trás!”

Quilon Batista, hoteleiro naqueles tempos, apressou-se, num “carro de praça” de propriedade do Sr. Chico Mamão, à procura do Mons. Walfredo Gurgel, que era um dos poucos, senão o único poliglota daquelas bandas.

Ao descer do carro à frente do Hotel, a figura imponente do Mons. Walfredo, que impunha respeito com muita naturalidade, foi, como que, aclamado pelos curiosos que se afastaram para ele passar. “Chegou o Monsenhor!” – Diziam alguns.

Aquele religioso já havia residido no velho mundo, sendo, portanto, fluente em alguns idiomas do mundo ocidental. Ao que parece se comunicou em francês com os dois estranhos comparsas, notando que tratavam-se de dois técnicos meteorologistas, que estudavam o clima dos sertões nordestino, com o beneplácito, o aval do Governo Federal. Explicou aos mesmos a rotina do Hotel, principalmente o horário das refeições. Reivindicou, no entanto, à paciente Dona Oscarlinda, um banho para aqueles estranhos senhores; pois que as narinas dos que estavam presentes, denunciavam tratar-se de medida urgente.

Tudo resolvido! A partir deste episódio, a rotina voltou e reinar naquela pequena urbe; mas, dentro de nós, pequenos seres naqueles dias, ficava a primeira sensação de decepção com o aspecto desorganizado daqueles homens, que vinham de um país – segundo diziam – bem mais adiantado que o nosso...

Natal-RN, dezembro de 2001.

Gibson Azevedo da Costa

2 comentários:

Poeta do Penedo disse...

Meu caro Gibson
excelente texto, com todas as características saborosas a que o seu autor nos habituou, nomeadamente, contar com muito humor episódios de um Brasil profundo.
Na verdade olhamos para os países extremamente desenvolvidos, mas...se por um lado invejamos o seu nível tecnológico e afins, por outro tememos que os seus «progressos» morais nos influenciem, pois que vêm de lá ventos de muita má catadura.
Um grande abraço.

Gibson Azevedo disse...

Meu caro Poeta do Penedo, este texto virá à tona por partes; esta foi somente a primeira. Virão mais duas ou três. Aguardemos!
Amigo, mais uma vez me perdoe pelo maroto argumento da trova.
Um forte abraço de terras brasileiras.

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