terça-feira, 21 de outubro de 2008

Continuação forçada.


Continuação forçada a título de esclarecimento:
Devo esclarecer que, ao concluir o texto "conto / crônica" sob o título de "motivos de discórdias", mostrei uma cópia ao amigo Marivaldo Ernesto, pois havia sido ele que me contara a citada estória em todos os seus meandros, minudências e sutilezas. Notei-lhe, uma acalorada alegria ao lê-lo. Vi, de relance, um realce instantâneo das cores da sua face, pois, sendo de tez sangüínea, esse sertanejo urbanizado facilmente demonstra suas mais íntimas emoções. Na verdade, nem procurou dissimulá-los; colocou a dita cópia em baixo do braço e esquipou no meio do mundo....
Passado alguns dias recebo dele alguns telefonemas, nos quais insistia na urgência de reunirmo-nos para uma conversa e alguns esclarecimentos, com relação ao referido texto. Encontro marcado, compareci com presteza.
- Amigo, não é nada daquilo que eu havia lhe falado, e, conseqüentemente, que você escreveu! Fui ao Cuité, conversei com algumas pessoas, fiz alguns telefonemas abrangendo parte da região do Curamaíaú, e colhi uma estória um pouco diferente da que lhe relatei. - argumentou-me com segurança.
Segundo o que ele apurou, o causo não se sucedeu em mil novecentos e trinta, e sim, em mil novecentos e quatorze. O indivíduo Zé motorista, na falta de caminhão, transforma-se, num estalar de dedos, em Raimundo, um tropeiro popularmente conhecido como Viramundo. Pois foi esse Viramundo, que desencadeou toda àquela estória de "merda de cachorro", de funestas conseqüências à economia de toda região do Curumataú e circunvizinhanças. Envolveu "mundos e fundos" naquele estropício de aventura. Destrambelhou de vez os antigos alicerces da centenária economia familiar daquelas pequenas almas. Veja o que não faz a ganância! É fato: não só as pessoas simples levaram o tombo daquele trote rasteiro. Todos se envolveram! Comerciantes, Juiz de Direito, Delegado de polícia, Pároco, Médico, Farmacêutico, Parteiras, Professores, Políticos, Panificadores, Pecuaristas, Agricultores, Ferreiros, Fogueteiros, Arrieiros, Bruaqueiros, Almocreves, Prostitutas, Alfaiates, Cabreiros de jogo, Cantadores de viola, etc.; dizem que até Catimbozeiros caíram na cantilena do lucro fácil. Ah?..., Lucro fácil...; conduta até certo ponto reprovável, quando observada levando-se em conta a moral, a ética e a justiça.
Bem, o que posso dizer ao amigo Marivaldo a respeito dessas correções? Do fundo de minh´alma, cuido não haver a menor necessidade de alterar o texto anterior. Pois se, de fato, assim não ocorreu, poderia muito bem ter acontecido; no surrealismo, no ineditismo, no inusitado do pensamento que nos ocorre nas vezes primeiras. Assim sendo, nada mudarei.
Todavia, aproveitarei o ensejo para narrar um "assucedido" que veio encartado naquele calhamaço de informações; anotações cuidadosa e avidamente, colhidas por aquele grande amigo do Cuité, e que mereceram o meu apreço:
No começo do século passado, o lugarejo chamado Cuité pertencia a Comarca de Picuí; já fervilhavam, entretanto endemicamente, desejos separatistas que geraram questiúnculas memoráveis, com desdobramentos e resíduos de rixas que, algumas
poucas, perduram até hoje, passados anos sem conta da sua emancipação política. Havia e há, embora de forma dissimulada, uma animosidade pronta para eclodir ao menor estímulo. Antigamente, era pior. Ah! se era...
Naqueles tempos antigos de crudelíssimas secas, ocorreu a de quinze; dizem que maior não houve. Flagelo abominável trouxe no seu encalço, seguindo-lhe o rastro, um surto de cólera. Esses fenômenos naturais que ocorrem de forma cíclica em nossa região, eram encarados pelos Curas das freguesias de Cuité e Picuí, como sendo castigo Divino, aos homens, pelos pecados cometidos. (Artimanhas de sabidões ou caturrices de ignorantes?) Pois bem, assunto polêmico; uns contra, outros a favor... Estes citados clérigos, tiveram a insana idéia, própria de mentes doentias, na tentativa de acalmar a "ira" Divina, trocar, num malsinado escambo, Nossa Senhora das Mercês, Padroeira de Cuité, por São Sebastião ( o Soldado ), Padroeiro de Picuí. A troca ocorreria nas Onças, povoado a meio caminho; vinte e poucos quilômetros eqüidistantes de cada cidade.
Às cinco da manhã, partiu cada santo para o seu destino; as mulheres puxando pelos seus rosários, e os homens, por cada birosca que passavam, tomavam umas e outras e discutiam: uns a favor e outros contra...
Uma hora da tarde, sol a pino, muita poeira - canícula inclemente -, chegaram às Onças. Cansados, suados e famintos - estropiados. Alguns homens, visivelmente embriagados, ainda discutiam: "uns a favor, outros contra"! Os desatinados párocos, ensandecidos nas suas atitudes para efetivarem àquela troca fula, colocaram um Santo em frente ao outro, meio a uma grande discussão. Do meio da balbúrdia surgiu um beato cheio de cana, devoto de Nossa Senhora das Mercês; sacou da cintura uma lambedeira de doze polegadas, riscou o chão com sua ponta espalhando faísca para todos os lados, posicionou-se no meio dos dois santos com a "santa Luzia" em punho, e gritou irado:
- Eu quero saber quem é o safado que vai ter a coragem de trocar, na minha frente, minha mãezinha, Nossa Senhora das Mercês, por um soldado cor -- e fé-- da pu -- do Picuí.
A bravata do fanático e temerário beato gerou uma tremenda escaramuça; vencida a custo pela maioria dos discordantes, obrigando a cada santo retornar para o altar de origem.
O beato profano, alcoolizado e moído de pancadas, junto a outros, tomou o caminho do hospital.
* * *
Marivaldo, cabra véi!, acho que assim deve ter ocorrido. Tichau !!
Natal-RN, 17 de agosto de 2004. Gibson Azevedo da Costa

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