segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Motivo de discórdias




Inúmeras vezes, até os fatos que fogem da rotina, do habitual, caem no esquecimento das imagens poeirentas e opacas, da maioria das memórias puídas como molambos, a desintegrarem-se, nas batidas implacáveis dos tempos. E quando são, no rebuscar das lembranças, citados por alguém que se preocupou em não esquecê-los, são, na maioria das vezes, contestados com veemência. Não por que, quem contesta sabe mais que os outros sobre aquele assunto; e sim, porque determinados fatos e diabruras ocorridos a umas boas dezenas de anos - "tijolos de jubileu"-, tornam-se, na distancia do tempo, algo pouco palpável; misturando-se assim aos mitos e aos trancosos, tão comuns no imaginário dos povos do sertão. É justo que tais histórias sejam esquecidas ou mesmo diminuídas a sua veracidade? Acreditamos que tais condutas, alem de nada somar, nada prova. Assim sendo, é mais saudável que admiremos as reminiscências, algumas jocosas outras tristes, do rico repertório de troças e chistes, que fizeram, e, que fazem parte do dia a dia dos viventes dos sertões nordestino. Uma destas histórias nos foi contada por Marivaldo Ernesto; dizendo que a ouviu de Murilo Limeira, um comerciante honrado, um decano septuagenário, parte integrante de família nobre daquele município. Este, por sua vez, disse que tomou conhecimento do causo, através de Seu Juvino Pereira - Venerável da Maçonaria-, sendo dos mais ilustres homens do lugar; cidadão de uma credibilidade a toda prova; motivo pelo qual, era sempre o escolhido para "segurar as apostas", nas épocas das campanhas políticas acirradas, quando ainda não existiam as pesquisas eleitorais. Seu Juvino jura que o fato aconteceu; e o conta com detalhes. Existe, entretanto, a contestação feita pelo radialista Tuca Almeida - sobrinho do ex-ministro José Américo de Almeida -, que não acredita em nada do que foi relatado, Muito embora, Murilo tenha feito questão de reafirmar a história na sua presença. Como se vê, é discutível o mérito, meio a testemunhas e palpiteiros! Sabe-se que, aconteceu:
Lá para os meados da década de trinta, um humilde motorista de caminhão da cidade de Cuité na Paraíba, transportava agave (sisal) para o porto do Recife. Porem, nestas viagens - que geralmente duravam quinze dias, devido as estradas ruins e mal conservadas, e ao maquinário ronceiro dos caminhões de então -, levava por entre a carga, alguns produtos como: milho, feijão, ovos, queijos, manteiga do sertão, creme, nata, cocada de leite; compotas de frutas da região como: goiaba, mamão, banana, casca de laranja, caju, jaca, etc.; mercadorias que passava "no mole" pela fiscalização estadual dos dois estados. Isto se constituía, numa viração, num extra, que engrossava a renda familiar ao final de cada mês. Apesar disto, vivia insatisfeito com o que ganhava, e procurava, sempre, alguma nova maneira ou algum novo produto, que pudesse alavancá-lo da sua condição de penúria, de relativa indigência.
Certa vez ao chegar ao cais de Santa Rita - Recife velho -, perguntou a um dos Cabeceiros que descarregavam os caminhões: "se ele não sabia da existência de algum produto, que tivesse dando um bom lucro naquele momento".

"Sei!"- respondeu ele - "Merda de cachorro!" "Tem um japonês qui tá
comprano - concluiu, o pegador de volumes.
"Merda de cachorro?" Pra que, esse japonês, quê isso?"- perguntou com surpresa, o pobre e crédulo motorista.
"Sei lá! Tão dizeno quê pá fazer reméido pá duença braba; diz qui cura inté o canço" - respondeu, o informado cabeceiro; também adiantou o preço que o japona estava pagando por um quilograma de esterco canino, como devia empacotar, e tudo o mais...
Meu Deus!- pensou Zé motorista - será quê uma garrafada nova? Tem umas, qui são boa pra curar pereba...; outras, serve pra limpar o sangue; e umas interfere na milhora da impotença – deixano o home birimbano mais...!!! Só pode ser isso..., um reméido novo. Diz qui cura inté o canço!
Voltou Zé motorista, para a sua Cuité, matutando quanto ganharia em cada viagem. Na realidade, ganharia mais do que o fornecedor de agave, mesmo que ele só levasse uns poucos quilos nas primeiras viagens. Urgia, entretanto, uma tomada de posição. E foi o que ele fez, ao chegar ao seu rincão, na Paraíba. Lá chegando, providenciou uns poucos quilos do produto, carregou o caminhão com agave e "picou a mula" para o Recife. Ao chegar ao porto para embarcar a fibra para exportá-la, procurou, sem sucesso, entrar em contato com o cabeceiro. Muito esperto, este, soube da sua chegada; e, ficava se escondendo, nunca sendo encontrado. Aflito, o motorista procurou o gerente e perguntou: "se ele não sabia do japonês que estava comprando merda de cachorro pra fazer remédio". O gerente deu uma gargalhada e disse que: "aquilo era uma brincadeira dos rapazes do embarque".
Mas que decepção! Servir de motivo de risotas, escárnios - infindáveis mangações!
Voltou assim para cuité, aquele humilde profissional do volante, para degustar sua vergonha, curtir a sua tristeza.
Ao chegar a sua terra, notou que a situação era pior do ele podia ter imaginado: havia um verdadeiro alvoroço naquela pequena urbe. Crianças e adultos revezavam-se nas perseguições a cachorros vadios, para flagrarem o momento exato que os citados dispensariam suas fezes. Cachorros que nunca receberam mimo algum em toda sua vida, viam-se, agora, tratados a pão-de-ló; com a finalidade pouco dissimulada de: na medida em que fossem bem alimentados, produziriam, sem dúvida, uma maior quantidade de esterco.
A notícia espalhou-se rapidamente como a queima de um rastilho, por toda
região do Curumataú, no Seridó Paraibano; chegando até às cidades fronteiriças no Seridó potiguar. Eram notícias de prosperidade, prenúncios de riquezas...
Com a chegada do motorista, a cidade já contava com uns seiscentos quilos de merda de cachorro armazenada. Tudo organizado! Lista feita, contabilidade em dia! Sabia-se perfeitamente o peso e o valor de cada quinhão, correspondente a cada pessoa, naquela monumental "ruma de merda". Não eram só as pessoas pobres, os envolvidos naquelas atividades atípicas. O Boticário opinou, representando à saúde daquele arruado, enaltecendo o valor das novas idéias na farmacopéia, visando melhorar a qualidade de vida do homem, principalmente dos mais pobres. Até mesmo a igreja, através do seu pároco, procurava organizar seus fiéis, visando arrecadar o seu dízimo daquela súbita e estranha fonte de recursos. O Juiz de Direito fez valer a sua autoridade: desfazendo questiúnculas, acalmando ciumeiras; orientava o Delegado de polícia para que, preventivamente, fossem evitados os roubos de bosta; com se, de ouro, estivessem tratando. Alem do mais, a certa altura dos acontecimentos, percebeu-se, para decepção dos mais corretos, que no meio daquela montanha de merda já havia uns duzentos quilos de bosta falsificada. Bosta, do tipo que, não passava no crivo dos especialistas mais exigentes.
Foi no entanto, a princípio, um grande clamor, quando se soube que tratava-se de um equívoco, uma brincadeira de mal gosto, uma pilhéria!
A população ficou paralisada como que ouvindo um dobre de finados, ao ver cair por terra seus projetos de crescimento econômico, ao constatar-se, sem delírios, que tudo não passara de um trote, um embuste.
Passado algum tempo, esta desagradável aventura adquiriu ares de comicidade; visto que, o ser humano tem o hábito de rir de si mesmo, e deleitar-se com suas próprias mazelas.
Essa história é conhecida, até hoje, por algumas pessoas idosas da região do Cururnataú. Algumas, afirmam que presenciaram o fato. Outras torcem os lábios com desdém e sentenciam: “Balela! Nunca existiu!!"
Será que não?- perguntamos hoje...
Naíal-RN, 07/abril/2004. Gibson Azevedo da costa

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